RIO – Os viajantes embarcam em uma cápsula hermeticamente fechada que, então, é posta dentro de um tubo com baixa pressão atmosférica e dispara rumo a uma cidade a 615km de distância. Em apenas meia carros_1705 hora, todos chegam sãos, salvos e descansados a seu destino. Bem-vindos a bordo do Hyperloop, a forma mais rápida de se transportar passageiros e cargas desde a aposentadoria do Concorde, em 2003.
Aparente delírio de mentes criativas, esse trem capaz de alcançar 1.200km/h (!) começa a virar realidade: seu primeiro teste prático foi realizado quarta-feira passada, no Deserto de Nevada. A prova foi aparentemente simples e não durou mais do que 10 segundos, mas é vista como um grande passo para o nascimento do Hyperloop.
Na demonstração, um trenó motorizado que servirá como base para os vagões (ou cápsulas) levou apenas 1,1 segundo para alcançar 187km/h e chegou a 483km/h sobre trilhos com 1km de comprimento, energizados com 7 mil volts. Depois, desacelerou em um banco de areia, levantando uma nuvem de poeira.
Essa curta corrida inicial foi feita a céu aberto, mas os técnicos que trabalham na ideia já estão montando uma pista de provas fechada, dentro de 3km de tubos, mais próxima do formato final do Hyperloop. Ali, o trem terá condições de correr sem resistência do ar e levitar sobre os trilhos a 650km/h. Pelo apertado (e aparentemente inexequivel) cronograma, a primeira linha comercial será inaugurada em 2019, para o transporte de cargas. Em 2021, será a vez dos passageiros.
ALÉM DA FICÇÃO CIENTÍFICA
Quem bolou tudo foi Elon Musk, atual papa dos conceitos futuristas. Entre suas obras, este sul-africano radicado nos Estados Unidos foi responsável pelo crescimento do sistema de pagamentos Pay Pal, criou a fábrica de foguetes ?de baixo custo? SpaceX e viabilizou a Tesla, marca que vem revolucionando o mercado de automóveis elétricos. Todas essas iniciativas, a princípio, soavam pouco críveis mas acabaram mostrando bons resultados práticos.
Pois bem: em 2013, Musk imaginou um meio de transporte de altíssima velocidade em que cápsulas circulam sobre trilhos dentro de tubos vedados e com pressão atmosférica reduzida, num ?quase vácuo? que elimina a resistência aerodinâmica.
Pela concepção do empresário e inventor, compressores de ar e um motor linear de indução (elétrico) puxam o veículo que, em alta velocidade, passa a levitar, livrando-se do atrito entre as rodas e o trilho.
Um grupo formado por engenheiros da SpaceX e da Tesla trabalhou no projeto inicial ao longo de nove meses, para atestar sua viabilidade. Pelo plano, a primeira linha iria de Los Angeles a São Francisco, na Califórnia, em um percurso de 615km paralelo ao da rodovia Interstate 5. Um problema seriam os custos de sua construção, estimados em US$ 6 bilhões.
Animado pela perspectiva, Musk anunciou, no fim de 2015, que a SpaceX iria patrocinar um concurso para a criação do desenho dos vagões. Mais de 700 equipes de universidades de engenharia e design se inscreveram e, em janeiro passado, foram anunciados 30 finalistas que seguirão adiante com seus trabalhos.
IDEIA LIBERADA PARA QUEM QUISER
Enquanto o concurso era lançado, um grupo independente formou a Hyperloop Technologies, para explorar o conceito de Musk ? este liberou sua ideia a qualquer um que queira desenvolvê-la. A companhia é comandada pelo empresário inglês Rob Lloyd e por Shervin Pishevar. Bilionário nascido no Irã e criado na Califórnia, Pishevar fez fama por ser o primeiro investidor a acreditar no Uber.
Os planos iniciais da Hyperloop Technologies incluíam criar uma linha exclusiva para cargas entre Los Angeles e Las Vegas (370km). Na última quarta-feira, a empresa foi rebatizada de Hyperloop One e promoveu o teste do ?trenó? em Nevada.
A alemã Deutsche Bahn ? maior operadora de ferrovias da Europa ? é uma das apoiadoras do projeto da Hyperloop One. A SNCF, empresa pública responsável pelo transporte ferroviário na França, o que inclui o trem-bala TGV, também pôs dinheiro nos testes.
E serão necessários muitos outros investidores para a empreitada, já que a Hyperloop One estima que a construção e instalação de cada quilômetro de tubos (são dois, um para ir, outro para voltar) custará US$ 28 milhões.
Outra empresa independente que está na corrida pelo trem de alta velocidade é a Hyperloop Transportation Technologies (HTT). O grupo emprega 500 técnicos e promete inaugurar uma pista de testes com 8km de extensão ainda neste ano.
Criada por Dirk Ahlborn, especialista em captação de recursos para novos projetos, a HTT afirmou já ter um acordo com o governo eslovaco para a construção de linhas de Hyperloop entre Viena (na Áustria) e Bratislava (na Eslováquia), e de Budapeste (na Hungria) a Bratislava.
A mesma companhia já fala também em linhas de Hyperloop urbanas, a serem usadas com trens de subúrbio. A ver a velocidade com que tantos planos se tornarão realidade.
O Hyperloop combina as propostas de transporte dentro de tubos de vácuo (cujos conceitos datam do século XIX) com a ideia de usar um motor elétrico linear para mover trens que levitem sobre trilhos (as patentes dos primeiros maglevs datam de 1937). Em resumo, o objetivo principal é reduzir a resistência do ar e do atrito das rodas e, assim, poder alcançar velocidades em torno dos 1.200km/h.
O conceito básico de Elon Musk é fazer um meio de transporte imune a variações meteorológicas e a colisões, com velocidade de cruzeiro que supere os 900km/h dos jatos comerciais e que não gaste muita energia. Hoje, o recorde de velocidade de um trem bala é de 600km/h.
PARA BARATEAR
Até hoje, todos os projetos de maglevs ou de transporte por tubos de vácuo se mostraram caros demais. O que Musk fez foi tentar reduzir os custos de operação.
No lugar de criar vácuo em todo o tubo, algo que geraria despesas incalculáveis, um enorme compressor elétrico toca uma grande turbina que puxa o ar da frente da cápsula e o joga para baixo e para trás. Com isso, a pressão atmosférica na dianteira cai para 1 milibar (um ?quase vácuo?).
Em vez de usar a levitação magnética, o Hyperloop tem patins que flutuam sobre uma camada de ar (de cerca de 1cm), formada pelo compressor elétrico. De certa forma, isso lembra um hovercraft.
Para mover o trem, usa-se um motor linear de indução ? grosso modo, é como ?desenrolar? o estator de um motor elétrico e estendê-lo ao longo de quilômetros e quilômetros de trilhos, que puxam os ?trenós? por magnetismo.
Como Musk liberou a patente do veículo a quem quiser desenvolvê-lo, há diversas variações no Hyperloop. Para começar, os tubos podem ser suspensos por pilares ou subterrâneos, como em um metrô ? o importante é que esses tubos, de aço ou concreto, sejam capazes de estancar as diferenças de pressão atmosférica.
As cápsulas não podem ser altas para manter a eficiência aerodinâmica. Fala-se que terão 2,20 de diâmetro, o que pressupõe algum aperto. Para comparar, a fuselagem do Boeing 737 tem 3,70m de diâmetro.
O FATOR PSICOLÓGICO
Uma das ideias é que trenós formem a estrutura do trem. Sobre estes, serão montadas ? por meio de braços mecânicos ? as cápsulas com os passageiros ou a carga.
Com cabines hermeticamente fechadas (para agonia dos claustrofóbicos), o jeito será apelar para enormes telas de LCD que simularão janelas e paisagens. Além disso, algumas propostas preveem o amplo uso de computadores pelos passageiros.
Também é algo assustador pensar nas vibrações e ruídos provocados pelo compressor em uma cabine que viaja perto da velocidade do som. E mais: imagine ficar preso caso o Hyperloop pare de funcionar…
Para ?piorar?, a TransPod, uma das empresas que vêm desenvolvendo o Hyperloop, quer que o trem tenha controle totalmente automático, dispensando um ?maquinista humano? (além disso, o projeto dessa companhia prevê o farto uso de painéis fotovoltaicos para alimentar o sistema com energia solar).
Todas essas questões psicológicas pesarão na aceitação do novo meio de transporte. Mas, pense bem: quem, em 1816, poderia imaginar que os humanos de 2016 cruzariam os céus a 900km/h dentro de charutos voadores de alumínio chamados aviões?