RIO ? Curvas criadas a partir de retas paralelas; prédios de concreto erguidos sob a inspiração de formas da natureza; a arquitetura moderna em constante diálogo com elementos do passado, como o barroco e o gótico. De uma harmoniosa soma de contradições, Antoni Gaudí (1852-1926) criou uma obra singular, que fez de Barcelona um dos centros das transformações arquitetônicas na Europa na virada do século XIX para o XX, graças a construções como o Parque Güell, a Casa Milà, a Casa Vicens e a Basílica da Sagrada Família. Em nível conceitual, muitas das coisas que Gaudí fez ainda estão sendo assimiladas. Isso faz com que ele permaneça como um dos arquitetos mais importantes e ousados da História, mesmo após quase cem anos de sua morte
Algumas de suas maiores criações estão representadas na exposição ?Gaudí: Barcelona, 1900?, que ocupa o Espaço Monumental do Museu de Arte Moderna do Rio de amanhã a 30 de abril, após passar por Florianópolis e São Paulo. Com 46 maquetes e 25 peças de design criados por Gaudí e outros 45 trabalhos de artistas contemporâneos seus, a mostra desvenda o processo de criação do arquiteto e traça um panorama do modernismo catalão.
? Foi um momento de grande desenvolvimento econômico na Catalunha, que passou a ser a região mais rica da Espanha. Isso criou um ambiente propício ao florescimento de uma nova cultura, amparada por uma burguesia que buscava recuperar a identidade catalã ? contextualiza o historiador barcelonês Raimon Ramis, que divide a curadoria da mostra com o conterrâneo Pepe Serra Villalba. ? Nesse cenário, Gaudí cria a partir da influência de diferentes tradições arquitetônicas, ao mesmo tempo em que explora todas as formas estruturais. Ele era como uma esponja, que absorvia tudo o que estava a seu redor, reprocessava e utilizava em sua obra.
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Embora ligado ao movimento modernista catalão, a inspiração em elementos orgânicos, transposta às criações, fez com que a obra de Gaudì ocupasse um espaço único, profundamente relacionada à própria figura do arquiteto.
? Ele trabalhava com maquetes em vez de desenhos, o que deu um caráter muito escultórico à sua obra. Para além das inovações estéticas, Gaudí influenciou a mudança de parâmetros na arquitetura, ao buscar uma eficiência estrutural. Em suas edificações, todos os elementos têm uma razão de ser, representam ou simbolizam alguma coisa ? observa Ramis, destacando a sua busca por soluções nas formas da natureza. ? Para ele, as formas retas não eram agradáveis ao homem, por isso incorporou elementos orgânicos a seus projetos. Isso é visível ao se entrar na Casa Batlló, que lembra uma gruta, ou ao ficar sob as colunas da Sagrada Família, tendo a impressão de que se está em um bosque. Essas opções arquitetônicas peculiares dificultaram o surgimento de uma escola, digamos, gaudiniana.
ORGANICIDADE E RACIONALISMO
A organicidade nas criações de Gaudí está associada a um profundo princípio racionalista, que o ajudou a executar cálculos arquitetônicos e estruturais complexos. Para desenvolver muitas das inovações ainda presentes em construções contemporâneas, o catalão observava como formas e materiais se comportavam na natureza, através de equipamentos simples, criados com objetos que tinha à mão em seu ateliê.
Assim, com um conjunto móvel de feixes metálicos retos, presos a superfícies circulares, ele investigava o paraboloide hiperbólico, obtendo uma curva através da movimentação das linhas paralelas. Ou por meio de pêndulos feitos de correntes ou pesos presos a cordas, observava as formas geradas pela ação da gravidade, aplicadas nos arcos catenários que marcam muitas de suas obras. Alguns desses instrumentos integram a mostra, dando ao público a oportunidade de constatar os avanços que conquistou com os recursos de que dispunha à época.
? Em nível conceitual, muitas das coisas que Gaudí fez ainda estão sendo assimiladas. Isso faz com que ele permaneça como um dos arquitetos mais importantes e ousados da História, mesmo após quase cem anos de sua morte ? reflete Ramis.
A exposição no MAM promove o encontro de duas importantes escolas modernistas do século XX, com o legado de Gaudí ocupando o espaço assinado por Affonso Eduardo Reidy (1909?1964).
? Há um diálogo muito interessante entre essas vertentes. De certa maneira, Gaudí e Reidy estão debatendo o mesmo problema: como utilizar ao máximo as estruturas arquitetônicas e como criar formas que sejam agradáveis ao homem, eficientes e onde não haja nenhum elemento supérfluo ? conclui Raimon Ramis.
SERVIÇO
?GAUDÍ: BARCELONA, 1900?
Onde: MAM ? Av. Infante Dom Henrique 85, Aterro (3883-5600). Quando: Abre amanhã. Ter. a sex., das 12h às 18h; sáb., dom. e feriados, das 11h às 18h. Até 30/4. Quanto: R$ 14. Classificação: Livre.