
Como é o projeto?
Osterholt: Em 2010 eu era um artista fazendo residência e queria estudar como a segregação se relaciona com a arquitetura no Rio. Vi que vários pesquisadores estavam focados nas áreas informais da cidade. Então, quis falar do outro lado, dos condomínios fechados. Visitei muitos na Barra, e sempre ficava curioso para saber a história das torres. Demorou quatro meses até conseguirmos acesso à torre abandonada, e, durante a visita, em uma das salas encontramos pilhas de documentos. Descobrimos que os papéis eram do Múcio Athayde. Grande parte estava em inglês, o que facilitou o trabalho, porque a venda de apartamentos nas torres era em parte para estrangeiros. A partir daí começamos a traduzi-los para o português.
O que vocês descobriram?
Ingrid Hapke: Não há uma só narrativa, mas várias. Ano passado, passamos três meses realizando entrevistas, inclusive com moradores da Torre Charles de Gaulle (que foi finalizada).
O: Isso para nós foi fantástico. As pessoas moram lá e não sabem a história da torre. Faltava informação oficial. A partir daí nos demos conta de que o material encontrado deveria ser compartilhado. É uma história muito relevante até nos dias de hoje. Os erros cometidos na urbanização da Barra durante de 1970 estão sendo repetidos agora na Olimpíada. A falência da infraestrutura, a poluição das águas.
Qual o objetivo da mostra?
O: Em parte é chamar a atenção, para pleitear a construção de um museu para estes papéis. Nos últimos dois anos a Associação dos Adquirentes da Torre H está em contato com o Paulo Sérgio Niemeyer (arquiteto, bisneto de Oscar Niemeyer), que pensa em fazer um museu da urbanização, envolvido com um projeto para renovar a Torre H. É um projeto ambicioso.
Como você vê a relação entre as falhas do Plano Lucio Costa e da Olimpíada?
O: Um paralelo interessante é como o desenho original previa que a natureza se beneficiasse da urbanização, em vez de ser prejudicada. A história se repete, por exemplo, com o Campo de Golfe Olímpico. A premissa era de que ele traria benefícios para o meio ambiente, mas parece que a natureza sofreu com sua construção.
I: Há também a relação com as remoções feitas na década de 1980 para o plano de urbanização. Isso se repete agora, com a Vila Autódromo.
Era possível recuperar parte do plano original da Barra, com os Jogos?
O: Não sei. Sempre dizem que, quando o Lucio Costa chegou, não havia nada na Barra. Mas havia: a natureza. Revisitando o plano, vê-se que ele olhou para isso. Nossa exposição revisita o plano. Acho que é para isso que serve a Olimpíada, para pelo menos fazer refletir.
I: É interessante que, a partir de certo ponto, o plano de Niemeyer para criar um centro na Barra simplesmente deixou de ser respeitado. E isto está acontecendo agora também. O legado que Lucio Costa e Niemeyer imaginaram não foi o que ficou, assim como acontece agora com a Olimpíada.
Como vocês veem as pessoas que compraram apartamentos na Torre H?
I: É uma tragédia. Tem gente esperando há 30 anos para morar lá, pessoas que morreram e cujos filhos estão nesta luta. É muito tempo para esperar justiça.
Qual a sua impressão sobre Múcio Athayde?
O: A forma como ele usou o sistema foi muito inteligente. Sabia se relacionar, namorou a filha de Juscelino Kubitschek. Foi um estrategista de mídia brilhante, sabia trabalhar isso. Apesar de tudo, ajudou a viabilizar a Barra. Ele trabalhou com o Niemeyer. É algo que até hoje não entendo em relação ao Brasil, essa união de um capitalista como Athayde com um comunista como o Niemeyer. Ele corporifica uma forma de pensar do Brasil, que é pensar grande e ser muito oportunista. Depois da aventura na Barra, foi para Miami, o que é interessante porque há muita gente que diz que a Barra é a Miami brasileira. E lá começou a construir três grandes torres em frente à praia. Foi à falência, de novo, em 1999. Ou seja, cometeu os mesmos erros.
Qual era sua impressão da Barra antes de conhecer essa história toda?
O: Achava-a muito americana. Muito feia. Tudo muito privatizado, que estimula um estilo de vida insustentável, que mata o planeta e exacerba o contraste entre ricos e pobres.
I: Tive um professor brasileiro que falava do trânsito horrível. Nunca pude conceber essa ideia de passar duas horas na ida e na volta para o trabalho.
Como vocês imaginam a Barra dentro de 20 anos?
O: Vejo-a mais densa, com mais edifícios. Cada vez mais altos. É só pegar o que temos hoje e amplificar.
I: Não tenho tanta certeza disso. Tem muita gente saindo de outras regiões e vindo para a Barra, talvez os apartamentos fiquem mais baratos, voltados para pessoas de classe média baixa.