CONTRA VIOLÊNCIA

Agosto Lilás no combate ao “roxo da covardia”

Nos últimos dias, imagens repugnantes de mulheres sendo covardemente agredidas em diversas regiões do Paraná ganharam as telas
Nos últimos dias, imagens repugnantes de mulheres sendo covardemente agredidas em diversas regiões do Paraná ganharam as telas

1.073. A cartilha do bom jornalismo diz que não é certo começar um texto com números, assim como a cartilha da vida diz que homem não bate em mulher e, se bate, é covarde! Quem quebrou as regras agora? As jornalistas incumbidas de escrever esta reportagem ou aqueles que 1.073 vezes fizeram a polícia civil de Cascavel registrar procedimentos relacionados à violência contra a mulher somente em 2024?

Nos últimos dias, imagens repugnantes de mulheres sendo covardemente agredidas em diversas regiões do Paraná ganharam as telas, então o enredo deste texto não tem como ter outro viés.

Agosto lilás

Estamos encerrando o mês de agosto, quanto a cor lilás simboliza a luta contra este tipo de violência. Antes de pesquisar o motivo de esta cor ter sido escolhida para a campanha, a primeira coisa que vem à mente, são as marcas roxas que as mulheres vêm carregando em números cada vez mais assustadores. É pesado, sabemos. Mas não foi por causa dos hematomas das vítimas que esta cor significa a luta pelo fim da violência. A cor lilás foi escolhida porque simboliza a luta das mulheres por igualdade e respeito. A cor também remete à luta das sufragistas, mulheres que lutaram pelo direito ao voto no início do século XX.

A campanha

O Agosto Lilás é uma campanha que foi estabelecida pelo governo brasileiro em 2022, definindo este mês como o de conscientização sobre o combate à violência contra a mulher. Essa iniciativa foi estabelecida por meio de uma lei, e a escolha de agosto se deu porque, nesse mês, foi sancionada a Lei Maria da Penha, referência no combate à violência contra a mulher no Brasil, e que recém completou 18 anos. A campanha procura conscientizar a população para reprimir casos de violência contra a mulher no País.

Números amargos

As regras da vida também afirmam que nosso trabalho deve ser feito com amor. Perdoem os leitores, mas é com raiva que escrevemos este texto. Raiva. Este é o sentimento ao receber das autoridades os números de registros de ocorrências que não param de aumentar. Raiva por saber que em pleno ano de 2024, a violência segue sendo uma realidade amarga e difícil de engolir. Dados fornecidos pela Delegacia da Mulher de Cascavel ao Hoje Express mostram que de janeiro a julho de 2024 foram registrados 348 flagrantes de violência à mulher, abertos 765 inquéritos e concedidas 818 medidas protetivas. Os números são maiores do que no mesmo período do ano passado, conforme comparativo:

Patrulha Maria da Penha

E os órgãos de segurança não medem esforços ao oferecer cada vez mais recursos para o enfrentamento da violência contra a mulher. A Guarda Municipal de Cascavel tem uma divisão exclusiva para isso. Este ano, de janeiro até agora, sem encerrar o mês de agosto, já foram 626 ocorrências de violência doméstica. Sendo que durante o ano passado inteiro foram 319 casos registrados pela Patrulha.

“Dos casos deste ano, foram duas tentativas de feminicídio, onde os autores estão presos, dois feminicídios, onde os autores também estão presos e dez situações de cárcere privado, que resultaram em uma tentativa de homicídio, dois casos de abusos sexuais e um caso em que o autor tentou atear fogo na casa com a mulher e as crianças dentro. São casos que chamaram a nossa atenção pela gravidade da situação”, conta Josane Fátima da Silva, inspetora da Patrulha Maria da Penha da Guarda Municipal.

De outro símbolo de representatividade, Frida Kahlo, temos atribuída a frase “onde não puderes amar, não te demores” – e é com ela que apelamos às mulheres: tenham pressa em serem amadas e respeitadas!

Paraná roxo

Segundo o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, o estado do Paraná já registrou, até agosto de 2024, 15.121 casos de violações – qualquer fato que atente ou viole os direitos humanos de uma vítima, como maus tratos, exploração sexual, tráfico de pessoas – contra a mulher. Desse total, apenas 2.375 denúncias foram efetivadas.

Para a coordenadora do curso de Direito da Universidade Unopar Anhanguera, Juliana Aprygio Bertoncelo, a divulgação desses dados impulsiona a conscientização sobre o tema e o ato de denunciar.

“A relevância social dessa abordagem é muito alta, pois se trata de um tipo de crime que deve ser denunciado e combatido. Trazer essa temática para o debate social conscientiza não apenas na identificação de condutas reprováveis, mas informa sobre onde e quando se deve denunciar. Além disso, é uma forma de as mulheres se sentirem acolhidas e apoiadas umas às outras”, avalia a docente e advogada.

Juliana explica que, a violência contra mulheres constitui-se, conforme o Manual de Política Nacional de Enfrentamento À Violência Contra as Mulheres, em uma das principais formas de violação de direitos humanos.

Como denunciar

* Realizar a chamada ao 190 polícia e conversar como se estivesse realizando pedido de delivery, é uma forma muito útil de pedido de socorro, ao perigo eminente sofrido pela mulher;

* Além disso, qualquer cidadão pode fazer denúncias através da Central de Atendimento à Mulher, pelo número telefônico 180. As delegacias especializadas não são direcionadas a tratar apenas destes tipos penais, permitindo um socorro de forma mais ampla;

* As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher realizam ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal. Nas unidades, é possível solicitar medidas de proteção de urgência nos casos de violência doméstica contra mulheres.

18 anos: “Maioridade” reforça Lei Maria da Penha

Também em agosto, a Lei Maria da Penha completou 18 anos e a reportagem do Hoje Express conversou com André Nórcia, juiz de direito em São Paulo há dez anos e professor de Direito Penal, que trabalhou em delegacia por quase duas décadas. Durante sua trajetória profissional, ele se aprofundou nos estudos da Lei 11.340 e faz palestras sobre sua qualidade, importância e correta aplicação. Nórcia parabenizou a reportagem pela iniciativa. “A divulgação da Lei e de suas características contribuem muito para o conhecimento de todos e para a diminuição da violência doméstica”. Confira:

Hoje Express – Quais direitos são garantidos e como as mulheres devem proceder em caso de violência doméstica ou familiar?

André Norcia – A Lei n. 11.340/2006 inovou em vários aspectos. Cito, como as mais importantes, a exclusão da lei dos juizados especiais (N. 9.099/95), vulgarmente chamado de “pequenas causas”, e as medidas protetivas de urgência. Dessa forma, as mulheres podem se socorrer no Estado, inicialmente através da polícia, imediatamente, para que o agressor seja preso se for o caso, ou que lhe seja concedida alguma medida protetiva de urgência. A efetividade da Lei ajuda no rompimento do ciclo de violência. Devemos conscientizar as vítimas sobre a importância de se denunciar o agressor, pois ela estará amparada pelos órgãos públicos, a começar pelas delegacias especializadas.

Além disso, é direito das mulheres serem esclarecidas sobre os caminhos para a aplicação dos institutos protetores da Lei; como o de requerer o afastamento imediato do agressor do lar conjugal, ainda que a propriedade seja exclusiva dele, pois se trata de medida de urgência. Deixa-se para depois a discussão patrimonial.

Hoje – De que forma a ‘maioridade’ da Lei Maria da Penha impacta na proteção às mulheres?

Norcia – Depois de 18 anos da criação e promulgação da Lei, podemos falar que a sociedade está familiarizada com os instrumentos de proteção à mulher, nos casos de violência doméstica. Cito, como exemplo de “sabedoria popular”, a consequência para o devedor de alimentos: prisão! A sociedade como um todo conhece esse instituto. Em outras palavras, se diz que “a lei pegou”. Essa efetividade, rápida prisão como meio de coerção ao pagamento do débito alimentar, felizmente também ocorreu com a Lei Maria da Penha. A possibilidade de prisão em flagrante do agressor, em decorrência da exclusão do juizado especial nos casos em que se aplica a lei (art. 41, da L. 11340/06), bem como outros institutos como as medidas protetivas de urgência, e a possibilidade de prisão preventiva diante do seu descumprimento, fizeram com que a lei, com o tempo, caísse no conhecimento social, diminuindo os casos de violência contra a mulher.

Hoje – De que forma ainda é necessário avançar juridicamente para garantir os direitos das mulheres?

Norcia – Considero a respectiva lei muito precisa e efetiva, motivo pelo qual, juridicamente, não há urgência em mudança legislativa. Mais importante é a concretização pelos poderes públicos de todos os instrumentos por ela previstos, como, por exemplo, o encaminhamento do agressor a cursos obrigatórios. Podemos registrar, ainda, a importância do real amparo às vítimas após o evento. De nada adianta a previsão normativa se não há aplicação prática dos institutos, em especial pelo Poder Executivo.

Papo de Macho: Violência é sinal de fraqueza

Frases e palavras grosseiras que, infelizmente, acabam fazendo parte da rotina de muitas mulheres que sofrem com a falta de educação e cavalheirismo, e ainda algum tipo de violência, foi o pano de fundo para o lançamento da campanha “Papo de Macho: Homem de verdade respeita”, nesta semana em Cascavel. A iniciativa é mais uma das marcas do Agosto Lilás e foi abraçada por homem de diversas entidades, empresas, cooperativas, Ministério Público e Poder Judiciário e não tem prazo para acabar.

No lançamento da campanha foi exibido vídeo que vai circular pela imprensa e mídias sociais com homens que representam diversos setores da sociedade falando abertamente sobre respeito: violência não é um sinal de força, mas de fraqueza.

A Semente

A “semente” desta campanha surgiu na Associação Nacional das Primeiras-Damas. “Normalmente, nossas campanhas são direcionadas por mulheres, mas agora queremos que os homens falem para outros homens. Muitos cometem violência sem perceber, por ser algo aprendido culturalmente”, afirmou Fabíola Paranhos, presidente da associação.

Palavras e condutas

O promotor de Justiça, Alex Fadel, disse que é necessário os homens compreenderem o que constitui um ato de violência contra a mulher, que vai muito além da questão física, incluindo palavras e gestos. “Talvez, em curto prazo, os homens não entendam direito o que é, mas com o Papo de Macho a tendência é todo mundo perceber, denunciar mais; perceber o que efetivamente é um ato de violência contra a mulher, não somente o físico, mas qualquer tipo de conduta, uma palavra mal falada, um gesto deseducado. Tudo isso representa um ato de violência”, explicou.

A juíza Claudia Spinassi, do 2º Juizado de Violência Doméstica, destacou a relevância do projeto diante do grande número de processos em andamento. No 2º Juizado existem 10,4 mil processos; nas varas comuns, a média é 2,5 mil casos.

“Sozinhos, na Justiça, nós não damos conta, por mais que a gente tenha uma rede grande, junto com a Polícia Militar. Então, por isso, esse projeto é tão importante, porque ele vai educar”, enfatizou a magistrada. Durante o evento, também foi lançado o selo “Empresa amiga da mulher”, destinado às empresas que contratarem mulheres vítimas de violência doméstica, demonstrando seu compromisso social com a causa. Ao fim do evento, os homens presentes rasgaram o painel, como símbolo de acabar com esse tipo de situação comum na vida de muitas mulheres.