O biólogo e botanista Valdely Kinupp não sabia que seu livro PANC (Plantas Alimentícias Não Convencionais) no Brasil, se tornaria não apenas uma referência para os pesquisadores de sua área, mas uma sigla para designar um tipo específico de plantas: as PANCS, espécies que podem servir como alimentos, mas são raras nas cozinhas.
Segundo ele, as PANCS não costumam ser consideradas alimentos pela maioria das pessoas — raramente estão nos mercados e nas feiras livres — porque são normalmente espécies rasteiras consideradas pragas por agricultores e consumidores. Sem contar mitos tradicionais e distinções das cozinhas regionais do país. Segundo Kinupp, esse tipo de planta está chegando à mesa de mais gente agora por meio de chefs renomados que buscam alternativas naturais para suas receitas.
Em muitos lugares do país, as PANCS são consideradas “ervas daninhas” — um rótulo que a rúcula possuía até pouco tempo atrás, por exemplo. Segundo o livro do botanista, entre as plantas famosas e que não são usadas para alimentação estão a ora-pro-nóbis, a beldroega, a erva-de-santa-luzia e a capuchinha. Além delas, podemos agregar na sigla ingredientes de folhas de vegetais e raízes, como batata-doce, beterraba, cenoura, rabanete e mandioquinha, das quais só comemos partes.
O botanista conta em seu livro que as PANCS foram rejeitadas há pouco tempo: antigamente, as plantas alimentícias não convencionais eram consumidas, mas a falta de contato com a natureza que a vida na cidade proporcionou principalmente a partir do século XX fez com que elas fossem esquecidas e rejeitadas. Estima-se que o número de plantas consumidas pelo homem caiu de 10 mil para 170 nos últimos cem anos.
O gestor ambiental Guilherme Reis Ranieri e a nutricionista Neide Rigo são dois dos nomes mais famosos das PANCS no Brasil: eles possuem projetos que tentam identificar plantas comestíveis nas ruas da grande metrópole brasileira: São Paulo. Ela administra o blog Come-se e o coletivo PANC na City, que anda pela Lapa, na Zona Oeste da cidade, em busca de vegetais, frutas, flores e ervas que podem ser consumidas. Ele, por sua vez, toca o site Matos de Comer e dá consultoria a nutricionistas, faculdades de nutrição, chefs e restaurantes sobre as PANCs.
A cozinheira e antropóloga Rafaela Soldan diz que algumas espécies são, de fato, tóxicas se comidas sem nenhum tipo de preparo. No entanto, após uma fervura em água simples, elas podem se tornar sopas, bolos, pães e biscoitos, além de saladas, como as folhas ou rizomas da taioba, que contêm alto nível de oxalato de cálcio, um componente tóxico encontrado na planta ainda crua, mas que pode servir de alimento depois de fervida.
Soldan diz, porém, que há PANCS que já foram aceitas em cozinhas regionais do país: principalmente na região Norte. “Nos estados amazônicos temos o tacacá (prato realizado com caldo de tucupi e jambu, uma PANC) e a maniçoba, feito com as folhas da mandioca maniva. Em Minas, o famoso frango com ora-pro-nóbis ou refogado com folha de taioba. Em Goiás, arroz com pequi. No interior de São Paulo, refogado de folhas de abóbora, a cambuquira ou de folhas de batata-doce. No vale do Ribeira, a tradicional cachaça curtida com folhas de cataia”, finalizou à revista Casa e Jardim.