Cascavel – A sessão que ouviu as testemunhas do vereador Damasceno Júnior surpreendeu a todos. Inclusive o investigado. Em depoimento à Comissão de Ética, eles confessaram que também devolvem parte do salário ao vereador.
A Comissão de Ética se reúne na segunda-feira à tarde para encaminhar o futuro político do vereador. O grupo define se a conclusão do processo é pela cassação de mandato, por medidas de punição ou pela absolvição do parlamentar. Essa decisão será submetida a votação em plenário, sem data prevista.
Autora da denúncia, Ednéia dos Santos Silva confirmou em depoimento que devolvia parte do salário e que esse dinheiro era usado para pagar parcelas de um Corolla do vereador. O carro foi adquirido em julho de 2017 por R$ 32,9 mil e Neia usava R$ 1.246 do próprio salário para pagar a parcela do veículo do parlamentar. O caso veio à tona em novembro do ano passado, quando ela foi exonerada porque não concordava em continuar devolvendo parte do salário.
Na audiência, que durou pouco mais de três horas, o auge foi o depoimento da atual assessora do parlamentar e que havia sido convocada pela defesa do vereador. Talita de Menezes confirmou que ainda devolve R$ 2,5 mil do salário de R$ 4.795. “Desde o primeiro dia eu devolvo”, disse a assessora que calou o plenário.
A surpresa foi tão grande que até os integrantes da Comissão se calaram e, em vez de pedir detalhes, como era devolvido o dinheiro, se havia comprovantes, se foi feito por transferência bancária, eles resolveram que não havia mais perguntas e dispensaram a assessora. “Mediante a pergunta do relator e a resposta da Talita gostaria de ficar calado”, disse Josué de Souza (PTC).
Talita está nomeada desde 22 de agosto de 2018.
Ameaça de morte
O ex-assessor Pascoal Gomes dos Santos apresentou uma carta com ameaça de morte deixada pela manhã no portão da sua casa: “Pascoal, cuidado o que você irá falar no depoimento ou você pode acordar com a boca cheia de formiga. OK!?”, diz a carta.
Apesar da ameaça, Pascoal também reforçou as acusações: “Apesar de eu nunca devolver meu salário, tinha conhecimento de que as demais assessoras do gabinete devolviam. Doa a quem doer, falo a verdade. Não vão me intimidar com essa ameaça”, disse o ex-assessor, que pediu proteção à Comissão de Ética.
Contratada para cuidar das mídias digitais de Damasceno, a ex-chefe de Gabinete Sandra de Lara Patene também referendou o crime: “Fui contratada e não sabia o valor do salário. No primeiro pagamento, ele [Damasceno] falou comigo, para eu devolver metade… mais da metade para ajudar na política. Eu dizia que estava em situação difícil, mas ele não deixava eu ficar com todo o pagamento”. Ela disse que entregava o dinheiro diretamente ao vereador em um envelope de papel sulfite.
Dos R$ 4.795 que constavam em seu holerite, ficava com R$ 2 mil e depois passou para R$ 2,3 mil. Sandra disse que foi exonerada em agosto passado por não aceitar mais essa condição.
Os advogados dispensaram ainda outra testemunha de defesa, atual assessora. O motivo não foi divulgado, mas ficou claro a quem acompanhava a sessão.
Também foi ouvido o funcionário da revenda de veículos Luiz Antônio Jacomelli, o Toni, que recebia as parcelas do carro comprado pelo vereador, pagas pela assessora parlamentar exonerada. Daniel Eduardo da Cruz faltou à oitiva e apresentou atestado médico, mas ele deve ser exonerado por ter apresentado diploma falso de formação do Ensino Médio.
CASO AMOROSO
Relator da Comissão de Ética, o vereador Misael Júnior (PSC) chamou a atenção durante a sessão pela sua insistência em fazer perguntas de cunho pessoal. Em várias oportunidades, ele sugeriu que Damasceno Júnior tivesse algum relacionamento mais íntimo com Edinéia dos Santos Silva, a autora da denúncia sobre a devolução dos salários.
Mesmo com a negativa, ele ironizava respostas citando a vida pessoal da denunciante.
A mesma linha era defendida pelos advogados de defesa de Damasceno, que também caminharam pela tese de que a denúncia era uma vingança amorosa. Na defesa escrita, os defensores até citam um trecho bíblico da “Mulher Cananéia”, fazendo uma analogia sobre suposta rejeição que a denunciante teria sofrido por parte do parlamentar.
Até as demais testemunhas, que disseram também devolver parte dos salários, eram questionadas se sabiam de algum envolvimento da denunciante com o vereador. Já Damasceno, de maneira espontânea, disse ter tido um caso com a ex-assessora.
Assista todos os depoimentos da sessão desta sexta-feira (22):
Damasceno acusa “interessados em sua cassação”
O vereador Damasceno Júnior (PSDC) preferiu fazer papel de vítima de “poderosos” que estão interessados em cassar seu mandato porque está fazendo “um bom trabalho”, negou tudo, disse que seus assessores e ex-assessores estão mentindo e insinuou que estivessem sendo ameaçados para agir contra ele.
Até mesmo a justificativa que ele teria dado para pegar o dinheiro de volta, que seria usado para o partido, apresentada pelos assessores, Damasceno negou. Disse que nunca pegou dinheiro de ninguém.
Já na entrada no plenário, Damasceno olhou para o ex-vice-prefeito Jadir de Mattos, que acompanhava as oitivas, e disse: “Mais interessado que eu seja cassado nessa Casa de Leis, Jadir de Mattos, esposo da minha suplente Nadir Lovera”. Nadir foi candidata a vereadora pelo PTdoB e fez 876 votos – ficou como suplente de Damasceno, que fez 1.330 votos, pelo PSDC.
Em seguida, o parlamentar afirmou estar “preocupado, muito preocupado” e questionou: “Será que os assessores foram ameaçados?”. Sem saber que seus advogados haviam dispensado uma das testemunhas, Damasceno sugeriu que a ausência dela era decorrente de ameaças. Em seguida ele foi corrigido pelo presidente da Comissão de Ética, Olavo Santos (PHS). Apesar de a chefe de Gabinete Talita de Menezes afirmar em plenário que ainda é forçada a devolver parte do salário, o vereador afirmou que não vai exonerá-la e vai garantir proteção a ela.
Damasceno alegou que está sendo vítima de perseguição e que nos bastidores havia muitas ameaças. Provocou gargalhadas no plenário ao dizer que “tinha medo de ir parar no hospital público e matarem o vereador Damasceno Júnior”. Completando: “Vocês dão risada por não saberem o que acontece nos bastidores”.
Ao ser questionado pela Comissão de Ética disse que repassava o dinheiro das prestações do carro para a ex-assessora, negou que tenha recebido ou cobrado parte dos salários de assessores. Devido à falta de pagamento de seis parcelas, a Justiça já pediu a devolução do carro. Ele foi inclusive citado por um oficial de Justiça ontem.
Na saída do plenarinho, de mãos dadas com a esposa, Damasceno disse à imprensa que vai provar sua inocência e repetiu que havia uma mobilização política a favor da cassação. “Há deputado estadual que não se elegeu interessado na minha cassação. Não posso dar nomes. A política é uma caixinha de surpresas. Nunca fiz acordos”.