Cotidiano

Gravações dos anos 1950 revelam pérolas da música brasileira

34789610_SC Rio de Janeiro RJ 19-12-2012 Baden Powell Foto divulgação g.ermakoff casa editorial.jpgRIO ? Lamartine Babo cantando a ainda inédita ?Os rouxinóis?; bandolinistas como Jacob e violonistas como Baden Powell tocando madrugada adento; tenor interpretando modinha de Jaime Ovalle; consagrados pianistas brasileiros. Tudo isso aconteceu em saraus na residência da pianista, compositora, regente e professora Neusa França (1920-2016), em Ipanema, e foi oportunamente gravado pelo marido, o advogado Oswaldo França (1913-1988).

O rico material (45 fitas de rolo e mais de 500 cassetes) está sendo digitalizado e, pouco a pouco, posto ao alcance do público no YouTube. O responsável por isso é o músico e pesquisador Alexandre Dias, diretor do Instituto Piano Brasileiro, que foi aluno de Neusa.

? Os saraus eram organizados por ela, mas a iniciativa de gravar tudo era mesmo do marido ? conta Dias.

60174211_SC - Neusa França pianista que organizava saraus frequentados por dezenas de grandes no.jpg

Aluna e depois assistente da pianista Magda Tagliaferro, Neusa não fazia distinção entre clássico e popular ao convidar os músicos para sua casa. Magda França ? filha cujo nome é uma homenagem a Tagliaferro ? lembra:

? Os saraus eram às sextas, das 8 da noite às 9 da manhã. O pessoal saía de café tomado. Tive sorte de nascer num meio cercado de música e literatura. Sarau Neusa França 1

Os pianistas, naturalmente, eram os mais presentes. Populares como Mário de Azevedo, Maria Alice Saraiva e Tia Améia (segundo Alexandre, tocando 38 músicas suas ?com um entusiasmo como nunca ouvi?). E clássicos, também, como Nelson Freire, Radamés Gnattali, Francisco Mignone, este numa de suas faces menos conhecidas: a do improvisador. Claudio Santoro também pode ser ouvido, nas canções de amor que fez com Vinicius de Moraes e em dois prelúdios não identificados. Para Alexandre, ?provavelmente inéditos?. A consulta a especialistas foi o caminho para obter todas as informações sobre o conteúdo das fitas.

O que foi feito com as gravações em que Baden Powell, 23 anos, interpreta ?Na baixa do sapateiro?, de Ary Barroso; ?Serenata do adeus?, de Vinicius de Moraes (anos antes de fazê-lo em disco); ?Insônia?, do próprio Baden; e a ?Valsa, opus 8, nº 4?, de Agustin Barrios. Esse material foi passado a Alessandro Soares, responsável pelo Acervo Digital do Violão Brasileiro. Ele acredita que a valsa do violonista paraguaio tenha chegado ao jovem brasileiro pelas mãos de seu professor, Jaime Florence, o Meira, que conheceu e tocou com Barrios. O que ainda não foi possível saber é o título e o autor de outra valsa solada por Baden. Sarau Neusa França: Baden Powell

? Cheguei a consultar o Marcel, filho do Baden, sobre a valsa gravada em 1959 na casa de Neusa ? conta Dias. ? Ele disse que tem todo jeito de ser mesmo do pai, mas que não podia afirmar nada.

Outra composição a ser estudada é a do violonista Alfredo Medeiros, um choro que teria feito em parceria com João Pernambuco, gravado num sarau de 1958. Em entrevista a Evandro Eboli, publicada no GLOBO semana passada, o violonista Turíbio Santos disse identificar na peça o estilo ?bachiano? de João, um dos pais do violão brasileiro, morto em 1947.

JACOB EM CLIMA DE EMOÇÃO

É preciosa, também, a fita em que Jacob do Bandolim toca até às 4 da manhã, diante de 50 convidados. Jacob e seu Época de Ouro se apresentam acompanhados pelo piano da própria Neusa, com intervenções de Avena de Castro e Rossini Ferreira. O clima de emoção prevalece. Também estão ali Tia Amélia e o pianista cego italiano Alberto Colombo. Sarau Neusa França 2

A fita com Lamartine Babo, de 1957, é uma das primeiras perpetuadas pelo gravador de Oswaldo França. E uma das mais curiosas. Nela, com sua voz característica, fanhosa, Lamartine canta e imita instrumentos da orquestra ao mostrar ?Os rouxinóis?, marcha-rancho do carnaval de 1958. Em outra ocasião, ainda na casa de Neusa, ele fez uma palestra sobre o maestro e compositor seu amigo, Eduardo Souto, cujo filho, Nélson, o acompanhou ao piano. Nélson aproveitou para mostrar duas músicas de seu filho de 14 anos ? das quais, ouvindo a fita anos depois, compositor e arranjador já conhecido, Eduardo Souto Neto não tinha a menor lembrança.