BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal aceitou denúncia contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), um dos investigados da Operação Lava-Jato, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com isso, ele passa à condição de réu. Raupp é acusado de ter recebido propina por meio de doações oficiais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Raupp recebeu na campanha de 2010 R$ 500 mil da construtora Queiroz Galvão. Os recursos teriam sido desviados de contratos que a empresa mantinha com a Petrobras.
No julgamento, os ministros da Segunda Turma concordaram que a doação eleitoral pode ter sido usada para dar aparência legal ao pagamento de uma vantagem ilícita a Raupp. Segundo os ministros, há indícios no processo de que os recursos foram desviados pela Queiroz Galvão de contratos firmados com a Petrobras. Raupp teria solicitado os recursos na forma de doação eleitoral, para ?lavar? o dinheiro. O voto mais contundente foi o do ministro Celso de Mello, o mais antigo integrante do tribunal.
? A prestação de contas pode constituir meio instrumental do crime de lavagem de dinheiro se os recursos financeiros doados, mesmo oficialmente, a candidatos e partidos, tiverem origem criminosa resultante da prática de outro ilícito penal, como crimes contra a administração pública. Configurado esse contexto, que traduz uma engenhosa estratégia de lavagem de dinheiro, a prestação de contas atuará como dissimulação do caráter delituoso das quantias doadas. Os agentes da conduta criminosa objetivaram, por intermédio da Justiça Eleitoral, conferir aparência de legitimidade a doações manchadas em sua origem pela nota da delituosidade ? disse o decano.
O uso de doações eleitorais para pagar propina aparece em vários outros inquéritos da Lava-Jato. Assim, isso não deve ser impedimento para que as outras investigações também avancem no STF. No caso de Raupp, não houve condenação ainda. O STF entendeu apenas que há indícios suficientes para dar continuidade às investigações. Também viraram réus Maria Cleia Santos de Oliveira, assessora de Raupp, e Pedro Roberto Rocha, cunhado e assessor do senador. Eles teriam ajudado no recebimento da suposta propina.
O relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, ressaltou que, neste momento das investigações, não é necessário comprovar a veracidade das informações. É preciso apenas que haja indícios suficientes para prosseguir com as investigações. O ministro lembrou que, ao longo da ação penal, o parlamentar terá chance de se defender das acusações. O voto de Fachin foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Os outros dois integrantes da Segunda Turma ? Dias Toffoli e Gilmar Mendes ? votaram para receber a denúncia apenas em relação ao crime de corrupção passiva. Eles rejeitaram ainda integralmente a denúncia em relação aos dois assessores.
? Os indícios assentam que o recebimento dos valores espúrios de forma dissimulada, por intermédio de doações eleitorais de R$ 200 mil e R$ 300 mil, repassado pelo partido depois para o parlamentar ? afirmou Fachin, acrescentando: ? Esta fase não exige juízo de certeza, mostrando-se material indiciário suficiente para receber a denúncia ? declarou o relator.
? A doação eleitoral no tocante ao senador teria sido tão somente um meio utilizado para o pagamento da vantagem indevida solicitada ? declarou Toffoli.
O ministro Gilmar Mendes lançou dúvidas sobre a criminalização de doações eleitorais oficiais, mas foi a favor de receber a denúncia no caso do crime de corrupção passiva atribuído a Raupp. Ele também apontou várias falhas na denúncia, em especial no tocante aos assessores do parlamentar. Entre outros adjetivos, ele chamou a acusação contra os dois de vaga e especulativa.
De acordo com a PGR, os R$ 500 mil foram repassados ao diretório estadual do PMDB de Rondônia em duas datas diferentes: 27 de agosto e 1º de setembro de 2010. O pagamento está registrado na agenda de Paulo Roberto Costa. Outro ponto destacado na denúncia é que Othon Zanoide de Moraes Filho, representante da Queiroz Galvão, mandou e-mail ao doleiro Alberto Youssef pedindo um recibo da doação feita ao partido, em vez solicitar o documento diretamente. Na avaliação da PGR, isso não deixa dúvida de que Youssef teve participação no caso.
A denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi feita em 19 de setembro do ano passado. Segundo ele, os recursos da Petrobras eram repassados a agentes públicos pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa com auxílio de Yousseff e do lobista Fernando Antônio Falcão Soares, conhecido por Fernando Baiano. Em troca, Paulo Roberto garantia apoio político para permanecer no cargo.
Segundo a denúncia, a solicitação de propina foi feita por meio de Fernando Baiano, com quem Raupp e seus assessores mantinham frequentes contatos. Raupp nega qualquer relacionamento ou contato com Baiano, versão que, de acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), “restou desmentida” pelos dados obtidos com a quebra de sigilo determinada durante as investigações. Foram registradas várias ligações de Baiano com o senador e um assessor dele. Há inclusive uma ligação feita por Raupp ao lobista em 13 de setembro de 2012, quando o parlamentar se hospedou em um hotel do Rio.
?As ERBs (Estações Rádio Base) dos celulares de Fernando Antônio Falcão Soares revelam ainda que, minutos depois dessa ligação, o lobista encontrava-se na área de cobertura daquele estabelecimento (a qual não costumava frequentar), onde permaneceu pelo menos entre 21:37 e 22:18. Segundo informações fornecidas pelo Hotel Pestana, Valdir Raupp de Matos realizou o pagamento de despesa no lobby bar ? exatamente onde Fernando Antônio Falxão Soartes alegou ter encontrado o parlamentar ? às 22:36 daquele dia?, diz trecho da denúncia.
O advogado de Raupp, Daniel Gerber, destacou que todas as doações em 2010 foram legais e aprovadas pela Justiça Eleitoral. Ele reconheceu que as doações oficiais podem ser usadas para disfarçar o pagamento de propina, mas destacou que é preciso ter provas. Segundo o advogado, a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) não conseguiu demonstrar isso.
? Qual o algo mais trazido pela acusação? Com todo o deferimento e respeito à nobre Procuradoria, Contatos telefônicos, reuniões, conversas podem provar qualquer coisa, mas não a existência de uma solicitação indevida ? afirmou Gerber.
O advogado de Raupp sugeriu que, pressionado e com medo de perder sua delação, Fernando Baiano mudou a versão anterior ? em que não teria apontado irregularidades envolvendo Raupp ? para passar a indicar ilegalidades.
? Temos reunião de Valdir Raupp com Fernando Baiano? Que seja verdade. Temos reunião de Maria Cleia com Alberto Yousse? Que seja verdade. O conteúdo dessas reuniões surge de onde? Da palavra do delator. O que configura a corrupção? A palavra do delator. Não são os telefonemas, não sãos os encontros, não é a contribuição.
A subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko, disse no julgamento que o fato de as doações terem sido declaradas não impede que tenha havido os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
? O fato de uma doação estar contabilizada não a transforma numa doação lícita, devida e, menos ainda, afasta a lavagem de ativos. Na verdade, é uma ótima saída, é um forma muito boa de lavagem de ativos ? argumentou Ela Wiecko.
Ela também rebateu o argumento da defesa de que a denúncia tem por base apenas delações.
? Não é verdade que a denúncia esteja apoiada em prova única, ou seja, delações, e delações contraditórias. A denúncia reporta a dados telefônicos que confirmam os colaboradores e desmentem a versão do senador de que não tinha contato com Fernando Antônio Falcão Soares ? disse Ela.
Além desse inquérito, Raupp é investigado em outros três da Lava-Jato.