Cotidiano

Sobrecarga desafia o tempo e a saúde

Sem empregada, a jornada diária (casa e trabalho) é superior a 12 horas e o corpo, segundo Claudia, emite sinais quando a sobrecarga é exagerada

Cascavel – As mudanças culturais e comportamentais, o avanço alucinante das tecnologias e os afazeres diários intermináveis desafiam a beleza, a paciência e a competência da mulher. Até mesmo um ser moldado para a resistência, que arranca força extraordinária de um corpo que parece frágil, sente os efeitos de uma era formatada pela velocidade. A mulher contemporânea das economias ocidentais enfrenta uma batalha impiedosa e causticante, que conduz a um exercício de reinvenção a partir de tempo cada vez mais exíguo e de uma agenda abarrotada.

A gerente comercial Andrea Marcon, 35 anos, diz que praticamente não percebeu a última década passar. Casada e mãe de duas filhas pequenas (Gabriela, 10, e Heloisa, 3), ela precisa se desdobrar para tentar dar conta de afazeres que parecem não ter fim. “As responsabilidades só crescem e o tempo já não é suficiente. Por isso, geri-lo e aprender a administrar prioridades são, na minha opinião, os maiores desafios da mulher da pós-modernidade”, diz Andrea. Casada com Miguel, ela segue uma rigorosa rotina de cerca de 18 horas de atividades por dia.

Os desafios e as expectativas do trabalho, que são crescentes, colidem com a arrumação da casa e com os cuidados que as meninas demandam. Os afazeres mais simples, que não exigem a habilidade apurada da mão e do olhar feminino, sobram para Miguel. Mas, mesmo assim, ser profissional, mãe, educadora, esposa e amiga não tem sido fácil. “Sinto que a cada dia tenho menos tempo para mim. Não consigo fazer exercícios físicos com regularidade e encontrar horário vago para frequentar a academia é impossível”. Mesmo uma pessoa de alto astral, Andrea teme que os excessos enviem uma conta salgada em alguns anos.

Corpo dá sinais

A jornalista Claudia Reinke, 34 anos, casou há pouco tempo e sente uma intensa mudança de rotina com a decisão de dividir projetos, a vida e o futuro ao lado de um companheiro. “Os dois têm papéis importantes no casamento e precisam estabelecer uma relação de parceria para que as coisas fluam. Para que a casa fique organizada, para que as refeições sejam servidas nos horários combinados e para que compromissos familiares e do casal possam ser minimamente cumpridos”.

Sem empregada, a jornada diária (casa e trabalho) é superior a 12 horas e o corpo, segundo Claudia, emite sinais quando a sobrecarga é exagerada. “É fundamental que as mulheres fiquem atentas, porque coisas simples podem, caso não devidamente tratadas, levar a complicações graves”. A rotina é tão intensa que Claudia e o marido conversam demoradamente sobre o momento certo de aumentar a família. “Com a chegada de uma criança, o nível de loucura vai ser multiplicado e já estamos nos preparando mental e fisicamente desde agora”, afirma ela.

A cobrança por excelência

Mãe e avó, a empresária Margarida Domingues Carneiro, 56, entende a mulher como um ser constantemente colocado à prova. “Precisamos conciliar vários papéis e esperam que sempre sejamos eficientes e competentes em tudo”. O desafio da excelência, um fardo cultural e historicamente depositado nos ombros das mulheres, talvez ainda seja um dos mais intensos e instigantes, segundo Margarida.

A rotina desgastante, a falta de tempo para cuidados mais amplos com a saúde e as inúmeras tarefas impõem um preço elevado, observa a empresária. “Tenho amigas e conhecidas com problemas de saúde, com depressão. Elas não conseguem mais administrar uma época de tantas exigências, compromissos e responsabilidades”. Há ainda um outro aspecto, conforme Margarida, que é o amplo leque de informações à disposição dos filhos, que obrigam a mulher a estudar e a se atualizar constantemente”.

Trabalho

O cotidiano da mulher mudou acentuadamente principalmente nas últimas quatro décadas. A busca por posição de igualdade com o homem e a quebra de tabus e paradigmas fizeram com ela se expusesse a jornadas estafantes para enfrentar desafios e oportunidades do mercado. “Ela foi à luta e conquistou muito. E ainda tem muito a oferecer”, diz a presidente da Caciopar Mulher, Justina Metzner, que é de Marechal Cândido Rondon. “Mais recentemente, ela passou a emprestar seu talento, habilidade e sensibilidade às causas coletivas, a exemplo do seu crescente envolvimento com as associações comerciais”, diz Justina, que já percebe avanços determinantes no cotidiano das entidades.

Violência e insensibilidade

Muitas mulheres ainda são submetidas a situações que demonstram a imaturidade e o despreparo de algumas culturas e sociedades. Mesmo em uma intensa luta de superação para assegurar seu espaço e seus direitos, muitas são vítimas de discriminação no ambiente de trabalho e principalmente de violência doméstica. O Conselho Nacional de Justiça informa que apesar do avanço no número de varas  especializadas, a maioria das cidades brasileiras com elevados índices de homícios femininos ainda não tem esse serviço de justiça.

O reduzido número de juizados especializados em violência contra a mulher expõe um dos principais desafios que o Judiciário precisa enfrentar para melhorar a aplicação da  Lei Maria da Penha. Das 112 varas especializadas criadas no Brasil, mais da metade está nas principais capitais. São apenas 55 em municípios do interior. 

Segundo o Mapa da Violência 2015, com base em dados oficiais divulgados pela Organização Mundial da Saúde, ONU Mulheres e governo federal, as cidades com mais alto índice de violência do País são aquelas com menos de cem mil habitantes. E os excessos estão por toda a parte. Cascavel e Toledo, apenas nos últimos três anos, registram mais de 3,6 mil ocorrências contra mulheres de todas as idades, grau de escolaridade e classes sociais.

Números

Ao lado dos homicídios, os crimes considerados mais graves são estupro, lesão corporal e vias de fato. Em Cascavel, foram 244 casos de lesão corporal em 2014, 181 em 2015 e 292 em 2016. Já em Toledo foram, respectivamente, 160 em 2015 e 170 no ano passado. Os estupros chegaram a 74 em Cascavel em 2014, a 64 em 2015 e a 61 em 2016. Em Toledo, a soma dos últimos dois anos foi de 16 casos. Na cidade vizinha surpreende, entretanto, o total de estupros de vulneráveis, que somaram 64. Quanto às vias de fato, foram 307 ocorrências em Cascavel e 113 em Toledo nos últimos anos.