RIO ? A história do menino que enfrenta a vontade paterna e deixa a origem humilde em busca de sonhos mais altos na cidade grande é a mesma de milhões de brasileiros, inclusive Xico Sá e Cláudio Assis. Baseado no livro homônimo em que Xico resgatou suas memórias de infância, Assis lança nesta quinta-feira o longa-metragem ??Big Jato??, o quarto depois de ??Amarelo manga?? (2002), ??Baixio das bestas?? (2006) e ??A febre do rato?? (2011). Com Matheus Nachtergaele, Marcela Cartaxo, Jards Macalé e os jovens Francisco de Assis (filho de Cláudio) e Rafael Nicácio, a produção venceu o último Festival de Brasília, mas também se viu em polêmica. Cláudio foi vaiado no palco do festival por, dias antes, ter sido acusado de machista no Recife, quando ele e Lírio Ferreira perturbaram uma sessão de ??Que horas ela volta???, de Anna Muylaert, na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Em entrevista ao GLOBO, ele aceita o rótulo, mas diz denunciar o machismo em seus filmes. E reclama que o usaram para ??vender ingressos??.
Como você chegou ao livro do Xico Sá?
A gente é amigo, ele é padrinho do meu filho. Ele é do Ceará, de Crato, e foi estudar no Recife, nos conhecemos na faculdade. A primeira entrevista que eu dei querendo ser cineasta foi para o Xico querendo ser jornalista.
Essa história que o Xico conta no livro e que você adaptou, do garoto amadurecendo para decidir sair da cidade de interior é a sua história também? Você saiu assim de Caruaru?
É muito parecida, sim, eu saí com 17 anos. Saí sozinho. Em Recife, fiz dois anos e meio de faculdade de Economia e depois fui para Comunicação Social. Mas, antes, eu já trabalhava com cinema. Fiz um cineclube em Caruaru com amigos. A gente alugava uns filmes em Recife, voltava de ônibus para Caruaru e projetava lá.
É a história de muitos nordestinos, não?
Tem uma hora no filme em que o Matheus (Nachtergaele) olha para a câmera e diz: ??Sertanejo forte é o que parte, não o que fica??. Costuma-se dizer que o sertanejo forte é aquele que fica. Mas eu não acho isso, não. Sertanejo forte é o que vai embora. Como alguém pode ficar morrendo na miséria? É uma necessidade do ser humano de correr atrás de uma coisa melhor. É recorrente, vai acontecer sempre. É a aventura, o homem é movido pela conquista. Esses lugares, por mais que hoje você possa ter internet, ainda são muito diminutos para o anseio da juventude. Então, quando pode, o jovem parte.
No livro, a frase escrita no para-choque do caminhão é ??Dirigido por mim, guiado por Deus??. No filme, você colocou ??Quem não reage rasteja??. Por quê?
É uma frase que eu falo sempre. Eu usei no ??Crime delicado??, do Beto Brant, em que eu fui ator e me deixaram falar o que quisesse. Acho que tem tudo a ver com a história de ??Big Jato??.
No filme, o Matheus interpreta dois irmãos quase antagônicos, o bruto e o poeta. A ideia era dar a mesma cara para essas duas personalidades complementares?
No início eu pensei fazer com quatro atores. Dois fariam um irmão. Eu queria o Matheus, o Irandhir (Santos), o Júlio (Andrade) e o João Miguel. Mas pessoal falou que eu era louco, que o filme era um baixo orçamento, não tinha como pegar quatro atores. Então de quatro para fazer dois virou um para fazer dois. Foi ótimo, e Matheus foi fantástico.
Seu cinema sempre lidou com esse encontro de brutalidade e poesia.
É do ser humano. O ser humano é a porra de um animal que foi enquadrado. Botaram a gente aqui, mas a fera não foi completamente domada.
A carreira de ??Big Jato?? começou agitada. No Festival de Brasília, você foi vaiado pelo que havia acontecido no Recife. O que houve de fato?
É verdade que a gente perturbou a sessão. Mas a Anna e eu éramos amigos, a gente teve até um namoro anos atrás. E eu acompanhei tudo do filme, ela me ligava para contar os problemas. Quinze dias antes daquela exibição na Fundaj, jantei com ela e seu marido. Depois da sessão, a gente jantou também. Digo isso para você entender o grau de amizade. E o que aconteceu foi que brinquei com o maquiador Marcos Freire, que é meu amigo há anos. E chamei a Regina Casé de ??gorda?? porque tinham me contado que a própria Regina criou caso porque se achou gorda no filme.
Falaram que você foi machista com a Anna.
Eu peguei o microfone e pedi para todo mundo se sentar. Eu não sou santinho. Mas, pô, se você vai apresentar seu filme e chega um mané qualquer e diz para você se sentar, você aceita? Acontece que a gente era amigo! Agora vem dizer que eu fui escroto? É para vender ingresso, é para ir para o Oscar?
Você fala como se tivesse rompido com a Anna.
Pô, ela chegou em todo o canto e disse que o cinema pernambucano é machista. Se o filme dela fosse sobre isso… Mas nem é. Ela entrou numa onda errada para vender ingresso. Me fudeu para vender ingresso. Achei desnecessário.
Mas tem gente que rotula seu cinema como machista. Você tem essa consciência?
Tenho.
Você se considera machista?
Todos nós somos, a sociedade brasileira é machista. Temos o machismo imbuído na gente, eu sou. Mas no meu cinema eu tento denunciar o machismo. Aquela cena em que o avô vende a neta no ??Baixio das bestas?? eu vi quando criança. Era uma denúncia.
As vaias em Brasília te incomodaram?
Eu errei e pedi desculpas. Mas esse erro me impede de falar ao apresentar meu filme? Em vez de vir me vaiar porque não vão fazer plantão na frente da casa da secretária de Mulheres do governo Temer que é contra o aborto? Atrapalhar a sessão de pré-estreia de uma amiga faz de você um monstro? Se quiserem discutir machismo comigo, eu discuto. Mas fazer ??úúúúú??, aí não.