Multicampeão no boxe, medalhista de ouro olímpico, defensor de liberdades individuais. Quando se lembra do currículo de Muhammad Ali, morto na última sexta-feira, aos 74 anos, o excesso de grandes feitos raramente abre espaço para que seja citada outra característica muito presente na vida do ex-boxeador: sua adoração por mágica.
Com seu jeito descontraído e espontâneo, em alguns momentos quase infantil, Ali era fã de truques. Chegou ao ponto de contratar um mágico particular: Terry LaSorda, um sujeito franzino que conheceu em 1978, já no fim de sua carreira de boxeador.
LaSorda, à época com 23 anos, fazia uma apresentação beneficente na Pensilvânia, nos EUA, quando foi chamado para mostrar alguns de seus truques no campo de treinamentos da lenda do boxe. O mágico se recorda, em entrevista à “Vox.com”, que a primeira impressão de Muhammad Ali ao encontrá-lo não foi das melhores:
— Ele perguntou: onde está sua cartola? Onde está sua capa? — lembrou LaSorda.
Ali, naquele ponto, já havia vivido as maiores glórias da carreira: as vitórias contra George Foreman, Joe Frazier, além do ouro na Olimpíada de Roma, em 1960, quando ainda tinha 18 anos. A família LaSorda tinha certo envolvimento no meio esportivo, especialmente por Tommy LaSorda, primo de Terry, que foi um renomado jogador e treinador de beisebol, bicampeão mundial na década de 1980 pelo Los Angeles Dodgers.
Terry, por sua vez, era um engenheiro metalúrgico que levava os truques de mágica como hobby. Até encantar o multicampeão Muhammad Ali, que lhe ofereceu o dobro do seu salário na indústria para lhe ensinar mágica ou, simplesmente, lhe entreter nos momentos de maior estresse, como os dias que antecediam lutas importantes.
LaSorda lembra que seu primeiro truque para o mito do boxe foi pedir a ele que escolhesse uma carta qualquer no baralho — uma rainha de copas, que apareceria surpreendentemente na boca do mágico. Ali ficou tão impressionado que derrubou o baralho:
— As cartas caíram no chão e eu achei que ele fosse me bater. Então, repentinamente, ele estava no chão, recolhendo todas as cartas e dizendo: ‘faça mais uma dessas, eu gosto!’ — recorda o mágico pessoal de Ali.
‘ALI ESTAVA OBCECADO EM SE TORNAR MÁGICO’
Daí em diante, Muhammad Ali virou um aluno dedicado de mágico. Tão dedicado que alguns jornalistas que o entrevistaram à época, como o editor do “Sunday People” Nigel Nelson, ficaram impressionados com o espaço que os truques de mágica haviam ocupado na vida do multicampeão do boxe.
— Ali tinha 37 anos e estava obcecado em se tornar um mágico. Ele havia atuado em ‘Freedom Road’ como um escravo que retornava à fazenda após a Guerra Civil Americana. Mas ele não queria falar sobre o filme. Ele só queria fazer truques — lembrou Nelson, em artigo no jornal inglês “Mirror”.
Terry LaSorda diz que Ali passava noites acordado na tentativa de aprender os truques ensinados no dia anterior. Em setembro de 1978, na antevéspera da revanche contra Leon Spinks — que havia derrotado o campeão no início daquele ano, em decisão dividida dos juízes –, Ali chamou LaSorda em seu quarto e pediu que ao mágico que o ajudasse a relaxar com truques.
Ali derrotaria Spinks em decisão unânime para recuperar seu título mundial no peso-pesado, no que seria a última vitória de sua carreira.
— Esse senso de se encantar com as coisas é muito importante. Você precisa levar as pessoas ao limite da realidade, para mostrar a elas o que a realidade realmente é — reflete LaSorda, em declarações à “Vox.com”. — Eu penso que a realidade é uma ilusão. As únicas coisas reais na vida são coisas que não consegue tocar: o amor e a capacidade de se encantar.