
Cascavel e Paraná - O fundador da ciência política moderna, Nicolau Maquiavel, autor do livro O Príncipe, dizia que, quando o governante precisar fazer o mal, deve fazê-lo de uma só vez. Cortes, aumentos e medidas impopulares, se inevitáveis, precisam vir rápido — antes que o desgaste dissolva o governo. É difícil não lembrar do florentino ao observar o movimento do prefeito de Cascavel, Renato Silva (PL), neste fim de ano: após mais de uma década de defasagem, o Executivo encaminhou à Câmara de Cascavel a atualização da PGV (Planta Genérica de Valores), aplicando 20% do valor venal atualizado dos imóveis no cálculo do IPTU de 2026.
A proposta será lida na sessão ordinária da próxima segunda-feira (8) e deve ser aprovada ainda este ano. A medida confirma o que O Paraná antecipou em julho, quando revelou que o município trabalhava para corrigir a PGV , caminho técnico, porém, inevitavelmente impopular.
TCE-PR
O projeto foi oficialmente detalhado na sexta-feira (5), em coletiva de imprensa da Casa Civil e da Secretaria de Finanças. Segundo o governo municipal, Cascavel não atualiza sua PGV desde 2014, contrariando a recomendação do TCE-PR (Tribunal de Contas do Estado do Paraná), que orienta revisões a cada quatro anos.
A auditoria estadual aponta que a maioria das cidades paranaenses trabalha com valores venais equivalentes a apenas 30% do valor real de mercado, enquanto o mínimo recomendado nacionalmente é 70%. Cascavel não é exceção — e, segundo o Município, algumas áreas nobres pagam proporcionalmente menos IPTU que regiões periféricas. “Temos bairros e condomínios pagando o mesmo que áreas muito menos valorizadas. Essa atualização corrige distorções e melhora a justiça fiscal”, afirmou o chefe da Casa Civil, Tales Riedi.
Votação
O projeto será oficialmente lido em plenário na sessão da próxima segunda-feira (8). A tramitação deve ser rápida: a expectativa do Executivo é que a atualização seja aprovada até o final de dezembro, para que tenha validade legal em 2026.
O cálculo?
Apesar de os estudos técnicos apontarem valores de mercado bem superiores aos atualmente registrados, a Prefeitura decidiu utilizar 20% do valor venal atualizado como base de cálculo para o imposto em 2026 — uma forma de amortecer o impacto.
A proposta prevê ainda a atualização progressiva, chegando a 70% em dez anos, em alinhamento ao parâmetro recomendado pelo TCE; trava de 30% no aumento do carnê de 2026 em relação a 2025, evitando saltos abruptos; desconto de 20% no pagamento à vista, o dobro do aplicado hoje; destinação obrigatória de cerca de R$ 50 milhões para saúde e educação.
Segundo a prefeitura, apesar do aumento, Cascavel ainda estaria abaixo de outras cidades paranaenses, como Maringá, que utiliza 75% do valor venal, e Londrina, que utiliza 95%.
O Paraná adiantou em julho
A atualização da PGV não chega como surpresa. Em julho, a reportagem do jornal O Paraná revelou que a administração Renato Silva havia iniciado estudos para contratar empresa especializada e que a atualização significaria, inevitavelmente, aumento do IPTU. À época, a própria Secretaria de Finanças confirmou que o processo estava em análise no Paranacidade e que a correção seria necessária para cumprir exigências técnicas do TCE.
A movimentação gerou debate político interno, inclusive com recuos momentâneos e desgaste entre integrantes do primeiro escalão, como revelado em matérias subsequentes.
Impasse político e o “custo” da atualização
Atualizar a PGV nunca foi politicamente simples. As administrações anteriores — Edgar Bueno e Leonaldo Paranhos — evitaram tocar no tema, justamente pelo receio de desgaste. Em outubro, reportagem de O Paraná mostrou que o prefeito Renato Silva chegou a recuar diante da pressão, em um movimento que teria contribuído para a saída do então secretário de Planejamento, Fernando Scalon.
Agora, porém, com pressão mais intensa do TCE, avanços na Reforma Tributária e a implantação do “CPF dos Imóveis”, o município decidiu finalmente enfrentar o tema.
O líder do governo na Câmara, vereador Carlos Xavier, já reconhecia desde o ano passado que havia “grandes distorções” e que imóveis de luxo chegavam a constar em carnês valendo apenas 10% do valor real.
Reforma Tributária reforça atualização
A decisão de Cascavel ocorre em sintonia com a Nota Técnica da CNM divulgada em outubro, que orienta prefeituras de todo o país a revisarem suas plantas de valores diante das mudanças trazidas pela Reforma Tributária. O documento permite maior flexibilidade para atualização via decreto, desde que critérios objetivos estejam previstos em lei.
A PGV deve considerar: localização e zoneamento; infraestrutura urbana; equipamentos públicos próximos; características do imóvel; dinâmica socioeconômica; uso de georreferenciamento.
A recomendação é que as revisões ocorram a cada quatro anos, evitando justamente a defasagem que se acumula hoje em Cascavel.