Cotidiano

Crise e desemprego levam profissionais ao contrabando

Além disso, quadrilhas contam com o envolvimento de agentes públicos que facilitam o transporte

Foz – Com menos empregos formais e com a elevação do desemprego muitas pessoas migram para a ilegalidade na fronteira. Segundo agentes da Polícia Federal, há anos não se observava, de forma tão acentuada, a migração de profissionais de outros setores para a ilegalidade. Isso porque o tráfico, o contrabando e o descaminho são problemas vividos pela região muito antes de se tornar projeção nas telas dos cinemas.

Na semana retrasada estreou em todo o País o filme Em nome da lei, com Mateus Solano, que trata da criminalidade na fronteira do Brasil com o Paraguai. Mas o que se vive por aqui, há décadas, é algo ignorado pelos governos. “Isso piora em períodos de crise. O governo federal não sabe na prática o que ocorre na fronteira. Por isso, quase não investe na segurança, com exceção de Foz do Iguaçu que é onde dá mais mídia por ser uma cidade turística e de projeção internacional. Acreditamos que, caso o desemprego atinja patamares ainda maiores, mais trabalhadores busquem nesse meio sua subsistência”, denuncia um agente da Polícia Federal que investiga quadrilhas.

Muito disso se explica também pela falta de fiscalização ou pela fiscalização insuficiente. O agente lembra que a última investida pesada contra os criminosos foi o cerco aos comboios de ônibus de sacoleiros. “Em 2009, quando o cerco de fato fechou, iniciou um novo ciclo. Os ônibus deram espaço aos carros e aos caminhões”.

O contrabando formiguinha, como é conhecido aquele feito com carros de passeio e para onde muitos trabalhadores estão seguindo, torna-se uma prática cada vez mais frequente. Quase que diariamente as forças policiais flagram veículos equipados para esse tipo de crime. São carros, geralmente com motores superpotentes, com apenas o banco para o motorista. Dentro, os cigarreiros acomodam incríveis 40 caixas de cigarro e cruzam a região rumo a diversos cantos do País.

Crimes bem organizados

O mundo do contrabando não pode, por acaso, ser chamado de organizado? Com tarefas sempre bem desempenhadas, as quadrilhas têm uma espécie de organograma. As cerca de 20 existentes na região “empregam” centenas de pessoas e não é à toa que a crise tem atraído cada vez mais gente. “Notamos que na prática, muitos foram demitidos de suas funções e migram ao contrabando, principalmente quem mora nas cidades lindeiras”, diz um policial federal.

Sem a segurança de uma carteira assinada, homens e mulheres estão dispostos a sujar as mãos e correr o risco de ser fichados na polícia, para garantir renda. “Um batedor de caixa, que descarrega as lanchas na barranca do rio Paraná ganha em torno de R$ 200 por dia. Que outro serviço vai pagar isso? Outras pessoas trabalham como olheiras, cuidam e avisam as quadrilhas sobre a aproximação de policiaisou atuam como batedores em carros que dão cobertura aos veículos com o cigarro”, diz a mesma fonte.

Como relatado na primeira série de reportagens feita por O Paraná sobre esse tema, cujas investigações iniciaram há cinco anos, a articulação criminosa conta ainda com o envolvimento de inúmeros agentes públicos. “Se a gente sair pelas estradas rurais nas cidades que margeiam o rio, vamos perceber um fluxo intenso de carros com contrabando. Eles trafegam por essas vias sempre que podem e quando precisam acessar alguma rodovia contam com a sorte para não ser interceptados ou ainda com a conivência de alguns agentes que infelizmente dão cobertura às quadrilhas”.

Investigações nas corregedorias de todas as forças policiais não faltam, além de operações que são deflagradas e que levam para trás das grades funcionários públicos da área de segurança. “Ninguém gosta de cortar na carne, mas quando é preciso deve ser feito. O que vivemos aqui é quase um sinônimo de terra sem lei”, desabafa o PF.