BEIRUTE ? A Rússia está construindo um acampamento militar dentro da zona onde fica a cidade síria de Palmira, considereda um patrimônio mundial da humanidade pela Unesco, de onde militantes do Estado Islâmico foram retirados por forças favoráveis ao governo. O Exército da Rússia descreveu o campo como ?temporário?, afirmando que suas poucas unidades habitacionais estavam sendo usadas por especialistas em explosivos que removiam minas deixadaspor militantes, e que o governo da Síria havia aprovado a sua construção.
O chefe do departamento de Museus e Antiguidades da Síria, que lembrou que as antiguidades da cidade estão mais seguras graças à presença russa, disse que não daria permissão para que o campo fosse construído. Um oficial da Unesco afirmou que não se sabe ao certo se o equipamento está em uma área protegida, mas afirmou que ele não representa uma ameaça para a região histórica. A Iniciativa de Herança Cultural da Escola Americana de Pesquisa Oriental (EAPO) postou fotos feitas pela empresa DigitalGlobe, de imagens de satélite e análise de dados, que mostram a construção na margem do local histórico danificado pelo Estado Islâmico, que controlou Palmira por dez meses.
Tropas sírias, apoiadas por ataques aéreos russos, capturaram Palmira em março, e o conflito continua nas redondezas da região. Nas últimas semanas, combatentes do EI lançaram uma ofensiva em que capturaram um campo de gás e se aproximaram da cidade. Especialistas russos de retirada de minas encontraram e detonaram centenas de bombas deixadas pelo EI na cidade e áreas próximas desde que o controle do governo foi recuperado.
Maamoun Abdulkarim, chefe do departamento de Antiguidades e Museus da Síria, afirmou à Associated Press que os russos construíram um pequeno quartel que inclui escritórios e clínicas. Ele disse que sua organização não recebeu pedido de permissão, mas acrescentou que a presença de tropas russas e sírias é importante para que a cidade continue nas mãos do governo.
? Nos recusaríamos a dar permissão até mesmo para a construção de um quartinho dentro desse lugar histórico, seja para o Exército sírio, russo ou qualquer outro ? disse ele, por telefone, de Damasco. ? Nós nunca daríamos essa permissão porque isso violaria a lei da arqueologia.
O major General Igor Konashenkov, porta-voz do Ministério da Defesa da Rússia, disse que as autoridades sírias autorizaram a construção.
? O desenvolvimento deste campo temporário até o fim do processo de retiragem de minas foi combinado com o Ministério da Cultura e outras agências sírias ? disse ele, em nota. ? Além dos módulos de habitação, há também um hospital providenciando assistência médica para a população local e para o campo, além de alimentos.
Konashenkov acrescentou que especialistas da Unesco compareceram este mês a um show em Palmira da orquestra Mariinsky, de São Petersburgo, conduzida pelo renomado maestro russo Valery Gergiev. Engenheiros de combate russos desarmaram cerca de 18 mil explosivos em Palmira e arredores desde que a cidade foi recapturada, segundo Konashenkov.
Durante seus dez meses em Palmira, os militantes do EI destruíram o Templo de Bel, que existia desde o ano 32 a.C.; o Templo de Baal-Shamin, que tinha vários andares e, na frente, seis colunas; e o Arco do Triunfo, que foi construído na época do imperador Septimius Severus, entre 193 a.C. e 211 d.C.
? Em momentos de guerra, às vezes autoridades arqueológicas simplesmente não têm muito poder decisivo, mas as decisões de segurança ditam todas as outras ? disse Abdulkarim. ? Quando a situação melhora e a paz é alcançada, nós vamos pedir publicamente a remoção dos acampamentos.
A polêmica traz à tona as complexidades inerentes à guerra civil siria, com forças do governo, combatentes estrangeiros e diversas milícias batalhando ao longo de um país que contém tesouros arqueológicos. A Escola Americana de Pesquisa Oriental afirmou que imagens divulgadas no dia 22 de abril mostram as novas estruturas na Necrópole Norte, dentro das fronteiras da área histórica e ?próximas a várias tumbas acima e abaixo do solo, e a templos funerários?. Duas novas estradas pavimentadas ligando-as à estrada principal também podem ser vistas, declarou a Escola, acrescentando que imagens do dia 10 de maio mostram um heliponto pavimentado e veículos militares.
?A militarização de áreas arqueológicas vulneráveis podem causar um dano significativo a patrimônios frágeis?, afirmou a EAPO. ?Cavar e nivelar o solo têm um efeito negativo direto nos restos arqueológicos, enquanto equipamento militar, incluindo helicópteros, veículos e armas pesadas criam uma vibração significativa, que gradualmente enfraquecem e corroem o que está debaixo da terra?. Abdulkarim disse que não sabia de um heliponto.
Osama al-Khatib, um ativista da oposição em Palmira, que mora na Turquia, afirmou que as unidades russas pré-fabricadas estavam no canto norte do sítio arqueológico, a centenas de metros dos templos e do Arco do Triunfo. Ele diz ainda que algumas sepulturas históricas também estão por ali.
A assessoria de imprensa da Unesco não comentou o caso. Disse apenas que a agência ?ainda está no processo de estabelecer e verificar os fatos in loco?. Um oficial da Unesco que visitou Palmira no mês passado dise que se o acampamento estivesse na área reservada próxima ao local, isso seria uma contravenção de tratados internacionais que protegem zonas históricas. A Síria é signatária da Convenção para a Proteção da Propriedade Cultural em Caso de Conflito Armado, de 1954.
? Nós vamos conferir as imagens de satélite para ver se está dentro da área reservada ? disse o oficial, falando sob a condição de anonimato por motivos de segurança. Ele também afirmou que o acampamento é temporário e lembrou que militantes do EI não estavam longe, e podiam voltar a Palmira.
O Observatório Sírio para Direitos Humanos, baseado na Inglaterra, noticiou a existência de um combate entre o EI e forças do governo na vila de Ameriyeh, próxima de Palmira. Uma página ligada ao EI no Instagram afirma que os seus lutadores capturaram três posições próximas ao campo de gás de Jazal e mataram alguns soldados adversários. Jazal fica a cerca de 25 quilômetros da cidade histórica, na direção noroeste.
Desde que a Rússia iniciou seus bombardeios na Síria, em setembro de 2015, Moscou desequilibrou a balança de poder em favor do Exército do presidente Bashar al-Assad. No início deste ano, Moscou afirmou que diminuiria sua presença no país. Antes da captura de Palmira pelo EI em maio de 2015, o Exército sírio tinha uma presença reduzida dentro da área histórica.