Num cenário de crise econômica como a que virtualmente paralisa o Brasil, em que, com a degradação das contas públicas, é crucial que se busquem novos meios de melhorar a arrecadação, deve-se aumentar o cuidado para contornar a tentação de fazê-lo por caminhos equivocados. Em meio a negociações do governo do presidente interino Michel Temer para equacionar o ajuste fiscal, essencial para o país voltar a respirar, deputados da base aliada já tentam contrabandear para a agenda do Planalto a indefectível proposta de legalizar os jogos de azar. Uma aposta errada.
Trata-se de um canto da sereia que, a seu tempo, chegou a atrair a simpatia do primeiro escalão lulopetista para a causa do grupo de parlamentares identificados com esses movimentos. E que agora volta a ser entoado para ouvidos do novo governo. Como a crise é a mesma, o argumento para tentar seduzir o Planalto é semelhante: uma vez que não é digerível no Legislativo a criação de novos impostos, especialmente se o gravame se chamar CPMF ?, uma saída que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não descartou ?, a receita alegadamente gerada pelo jogo seria uma alternativa com impacto positivo quase imediato nas contas da União.
Discussões técnicas à parte, o que se deve avaliar nesse tipo de proposta são os custos para a sociedade. No âmbito específico da arrecadação, é no mínimo questionável que a legalização crie uma ponte à prova de desvios entre o balcão de apostas e o caixa do governo: quadrilhas de contraventores bem organizadas controlam atualmente redes semiclandestinas que movimentam fortunas em jogos de azar, principalmente com o bicho e a exploração de máquinas caça-níqueis. É um dinheiro que corre à margem dos canais legais de controle e tributação. Por certo, a liberação seria um caminho para jogar de imediato no colo desse dispositivo, ligado a máfias internacionais, uma estrutura federalizada de receitas.
Mas é no plano social que o país pagaria o preço mais salgado da legalização. O domínio das atividades da contravenção se dá por ações violentas no âmbito da criminalidade, com homicídios, execuções, sequestros etc. Uma vitrine dos métodos de ação dessa vertente do crime organizado, o Rio de Janeiro é um exemplo do que são capazes as quadrilhas para manter o domínio de seus ?negócios?. Somente nesta semana, a crônica de violência patrocinada no estado por grupos em guerra registrou o assassinato de integrantes de facções rivais ? o mais notório deles, o ex-policial civil Hélio da Conceição, o Helinho do grupo ligado ao ex-chefe de Polícia Álvaro Lins.
A retrospectiva desse tipo de execução relaciona outros casos, até mesmo assassinatos em família, ao estilo das máfias. Esse é o pano de fundo (extensivo a todo o país) de atividades ilegais que, com o enganoso benefício de ajudar a cobrir o rombo fiscal, parlamentares vendem como alternativa de receitas. Um canto da sereia que não deve ecoar em ouvidos responsáveis.