HOJE EXPRESS

Proteção ou exagero? Regras rígidas para os novos postos de combustíveis

Entenda os desafios do cotidiano para abrir um posto de combustíveis em Cascavel e a luta por terrenos adequados - Foto: Paulo Eduardo/O Paraná
Entenda os desafios do cotidiano para abrir um posto de combustíveis em Cascavel e a luta por terrenos adequados - Foto: Paulo Eduardo/O Paraná

Cascavel e Paraná - Abrir um posto de combustíveis em Cascavel hoje em dia é quase uma missão espiritual. O investidor precisa de fé, paciência e talvez um GPS para achar um terreno que se encaixe nas exigências da prefeitura. Nem a ampliação do perímetro urbano em 2023 ajudou — parece até que o mapa cresceu só no papel. Encontrar um terreno que respeite todas as regrinhas virou tarefa mais difícil que estacionar no centro em dia de feira.

Segundo alguns vereadores, o roteiro é sempre o mesmo: o investidor aparece empolgado dizendo “Encontrei o terreno ideal!”, e logo emenda: “Mas… tem um posto a 750 metros ou o terreno tem só 880 m²”. Quase como aquele “mas” que destrói relacionamentos.

Foto: Paulo Eduardo/O Paraná

Restrições da legislação municipal

Desde 2017, a legislação municipal determina regras rígidas para instalação de novos postos de combustíveis, os terrenos devem ter, no mínimo, 1.000 metros quadrados e os postos precisam manter uma distância mínima de 750 metros entre si dentro do perímetro urbano. Roberto Pellizzetti, empresário diretor Regional da Paranapetro, explica que essas regras não surgiram do acaso. “Essas legislações surgiram após acidentes graves, são leis escritas com fogo e sangue.”

Pellizzetti exemplifica com um caso dramático em Curitiba: “Teve um acidente sério na Rua General Mário Tourinho, com múltiplas explosões. Depois disso, Curitiba aumentou a distância obrigatória para 1.500 metros”.  Outra situação foi um acidente em um posto em Guadalajara, no México, que teve um vazamento de combustíveis que ficou dias no esgoto e terminou com uma explosão com mais de 250 mortos e mais de 1.000 feridos. Para ele, essas exigências são fundamentais, embora reconheça os desafios impostos aos investidores.

Para Pellizzetti, um aspecto vital é a metragem mínima do terreno. “O momento mais crítico é na descarga de combustível, onde ocorrem acidentes. O caminhão precisa evacuar rapidamente em caso de incidente, sem precisar manobrar. Ano passado em São Paulo, um posto pequeno teve um acidente grave exatamente por isso”. Segundo ele, em Cascavel, nos postos mais antigos, o caminhão precisa estacionar na rua e a mangueira de descarga fica encima da calçada, onde as pessoas continuam transitando nas proximidades.

Tentativa de flexibilização

Na tentativa de reduzir obstáculos, o vereador Dr. Lauri (MDB) propôs o Projeto de Lei 32/2025. A lógica apresentada era simples e clara: padarias, farmácias e mercados podem estar lado a lado sem maiores problemas. Por que só os postos de combustíveis enfrentam limitações tão rigorosas?

“A regra está limitando investimentos e reduzindo a concorrência, prejudicando diretamente o consumidor”, argumentou o vereador durante a discussão na Câmara Municipal nesta semana. Outro parlamentar reforçou o debate citando o bairro Cataratas, onde, segundo ele, seria impossível abrir um novo posto devido à proximidade dos existentes. Resultado prático: menos opções para os moradores e investidores impedidos de explorar áreas estratégicas.

Na Câmara, o argumento foi: menos concorrência, menos opção para o consumidor. Parece lógico. Mas a Comissão de Constituição e Justiça entendeu que a proposta não atendia as leis municipais em vigor. Também apontaram a falta de parecer do CONCIDADE e ausência de audiência pública. Resultado: projeto rejeitado por 16 votos a 4.

Metragem menor, exigências maiores

A proposta ainda previa permitir uma redução de até 20% na tal distância — mas calma, não era bagunça. Para isso, o empreendedor teria que cumprir uma cartilha de boas ações: exigências técnicas, licenciamento ambiental, plano de segurança, geração de empregos e, com sorte, até promessa de não explodir.

Foto: Paulo Eduardo/O Paraná

E os postos coladinhos?

Se você anda por Cascavel e já viu dois postos praticamente se cumprimentando na mesma esquina, saiba: você não está louco nem vendo miragem. A explicação é simples — e um pouco irônica. Quando esses postos foram construídos, a lei de distância ainda não existia. E, depois que entrou em vigor, ninguém ia mandar desativar os já erguidos. Resultado: a cidade tem uma lei que proíbe o que já está em prática. Um clássico.

Autorizado… mas não!

Outro caso emblemático envolve um empresário local que, após, segundo ele, receber um sinal positivo da prefeitura, investiu fortemente na compra de um terreno. Porém, no momento da obtenção da autorização formal, descobriu que o terreno, com cerca de 880 metros quadrados, não cumpria a legislação. Agora o caso está na Justiça, evidenciando a complexidade da situação.

Ainda tem mais lei!

Além das exigências já mencionadas, existe ainda outra regra crucial que também foi construída durante alguns anos. Postos de combustíveis não podem ser construídos a menos de 200 metros de locais com aglomerações de pessoas, como escolas, hospitais e supermercados. “Imagine um posto explodindo perto de uma creche ou hospital”, alerta Pellizzetti, ressaltando que, por trás dessas restrições, está um objetivo claro e legítimo: “proteger vidas”.

Dura lex Sed lex

A expressão em latim traduzida para o português significa que “a lei é dura mas é lei”. Roberto Pellizzetti mantém uma postura firme e cautelosa sobre a possibilidade de flexibilização futura da legislação. “Espero que não mudem a lei. A segurança vem em primeiro lugar. Não podemos permitir mudanças casuísticas”, afirma categoricamente.

Ele ainda destaca o papel estratégico dos postos como indutores do crescimento econômico em áreas periféricas da cidade: “O distanciamento dos postos auxilia no desenvolvimento dos bairros. Um posto de combustível atrai outros tipos de negócios e estimula o crescimento econômico local”.

Segurança: mito ou realidade?

Apesar de tantas regras, a segurança real dos postos ainda é tema controverso. Cascavel conta atualmente com 82 postos de combustíveis e mais dois sob análise do município. No entanto, não foram registrados na cidade incidentes graves no setor. Sendo assim, o número de mortes por explosões nos postos de combustíveis da cidade é inferior ao total de homicídios registrados em Cascavel por ano. Talvez seja justamente por isso, por uma legislação que preze a segurança. Para alguns, o dado reforça a percepção de que o risco é menor do que se teme; para outros, justifica a manutenção das restrições.