RIO ?A Inquisição está de volta. A fogueira está armada. Inspirados em recentes textos reacionários ou nas postagens de alguns pastores, os neo-politizados das mídias sociais, leviana ou ignorantemente, resolveram crucificar os artistas que genuinamente estão nas ruas e na ocupação do Palácio Gustavo Capanema pedindo a volta do Ministério da Cultura ou defendendo as leis de renúncia fiscal.
Os artistas não são vagabundos. Tampouco mamam nas tetas do Estado. Os artistas não são vampiros ou sanguessugas. Nenhum deles. Nem o artista de teatro, cinema ou televisão. Nem o artista circense, nem o artista de rua. Nem o cantor de sucesso ou o músico do metrô. Nem o escritor, nem o bailarino, nem o grafiteiro, o escultor ou o poeta. Eles são trabalhadores dignos, pagadores de impostos como eu ou você. Sua arte é essencial para a expressão de um povo e sua transformação. Sua arte é definitiva para a identidade da nação.
Por seu trabalho nobre e honrado são merecedores, obviamente, de remuneração. Remuneração essa que vem, muitas vezes, pelas leis de incentivo à Cultura, sendo a principal a injustamente combatida Lei Rouanet. Que não é infalível, é passível de alterações e correções de curso, mas que, para espanto dos neófitos de plantão, há 25 anos se prova imparcial, despida de ideologias, apartidária. Qualquer artista pode pleitear o benefício. Qualquer projeto merece ser analisado. Do blog de poesias da Maria Bethânia, à turnê do Luan Santana. Dos espetáculos da Aquela Companhia aos musicais de Möeller e Botelho. Chico, Gil ou Caetano têm tanto direito ao usufruto da Lei quanto um repentista ou cordelista nordestino. Tá lá escrito. Ipsis Litteris. Não há vergonha ou demérito. São todos trabalhadores da Cultura. O desafio é ser equânime.
Que órgão julgará ou concederá o benefício a partir de hoje é uma outra questão. Não pretendo discutir aqui a extinção do MinC. Obviamente é um retrocesso histórico e institucional. Se a Secretaria Nacional de Cultura, que o substitui, terá ou não autonomia ou orçamento para dar prosseguimento e incremento às políticas culturais que já eram insuficientes, só o tempo dirá. Me conforta saber que a Secretaria será comandada por Marcelo Calero, recém-anunciado titular da pasta.
REFRATÁRIA A CRISES
Apesar da boa vontade inata, tenho enorme dificuldade em aceitar a Cultura sob o guarda-chuva da Educação. A Cultura não é menos importante que esta ou que a Saúde, por exemplo. Exerce papel fundamental na soberania do país, ao dar dimensão ao processo social e contribuir para a unidade da língua. É agente da expressão da nossa pluralidade e do entendimento da nossa sociedade. É a única responsável pelo registro deixado às gerações futuras e por nosso belo retrato perante o mundo!
Sob a égide da Cultura estão também o Patrimônio Histórico, nossa fértil arqueologia e os sucateados museus, tão carentes de cuidados constantes.
É triste e frustrante constatar, que apesar de tamanha relevância, a Cultura não teve o devido respeito em toda a administração do PT (como parece que não a terá no governo em exercício), apesar do prestígio e do esforço de Juca Ferreira, Ana de Hollanda, Gilberto Gil ou Francisco Bosco, últimos nomes relacionados à pasta.
No entanto, a produção cultural é refratária a crises, ditaduras ou guerras. Floresce nas mais inóspitas condições! Os artistas não precisam de ministérios ou secretarias. Ministérios e governos é que precisam dos artistas. Onde houver uma praça, haverá um artista. Onde houver um mísero interlocutor, haverá teatro. Onde houver ouvidos, haverá sempre música. Não acho razoável remarmos contra a maré. Nos foi acenada uma rota alternativa. Longe da ideal, mas possível. E real. Vamos a ela. A arte sempre triunfará!
* Miguel Pinto Guimarães é arquiteto