RIO- Após comemorar o aniversário de um amigo, a professora Kizzy Cesáreo voltava para casa de van quando um estranho entrou no coletivo e sentou a seu lado. O movimento, que em um primeiro momento soava como algo normal, começou a assustá-la quando o homem começou a perguntar com quem morava e onde iria saltar. A partir daí, a menina desceu e foi seguida por ele, mas, por sorte, conseguiu fazê-lo ir embora.
– Eu comecei a andar mais rápido e ele me pedindo para esperar. Falei que ele era maluco, para me deixar em paz. Ele ficou sem graça, falou que tinha me achado bonita e que nem sabia onde estava, que só pegou a van pra tentar conversar comigo, mas pediu desculpas e me deixou em paz. Graças a Deus tive final feliz, mas infelizmente nem sempre é assim- contou a jovem de 25 anos, que já havia sido seguida uma outra vez.
A professora faz parte de uma estatística que mostra que 86% das mulheres brasileiras já sofreram assédio em público em suas cidades. Das entrevistadas, 50% já foram seguidas na rua e 44% tiveram seus corpos tocados contra vontade. A pesquisa revela que andar pela rua, utilizar o transporte público, voltar só para casa- situações que são corriqueiras para muitos homens- podem se converter em uma péssima experiência para grande parte das mulheres. Considerando todas as 2.500 mulheres que responderam a pesquisa no mundo, quando perguntadas sobre os lugares que mais temem ser assediadas 70% responderam ao andar pelas ruas; 69%, ao sair ou chegar em casa depois que escurece; e 68% no transporte público.
O estudo foi divulgado pela organização internacional de combate à pobreza ActionAid, nesta sexta-feira, data na qual também é lançado o “Dia Internacional de Cidades Seguras para as Mulheres”. Realizada pelo instituto YouGov, a pesquisa disponibilizou um questionário On-line, que foi respondido por mulheres no Brasil, na Índia, Tailândia e Reino Unido. Proporcionalmente, o Brasil e a Tailândia foram os países com maior incidência de assédio (86%), seguidos por Índia (79%) e Reino Unido (75%).
Na avaliação da coordenadora da campanha “Cidades Seguras para as Mulheres no Brasil”, Glauce Arzua, o resultado é “chocante”. Ela argumenta que os dados mostram que as mulheres vivem uma situação difícil não só em países culturalmente conservadores.
– Não é uma supresa nem no Brasil e nem no mundo, mas quando olhamos essa pesquisa estamos olhando a escala global desse problema e isso é bem chocante. Em contextos tão diferentes em termos religiosos, políticos e culturais encontramos a mesma situação ocorrendo em diversas faixas etárias de mulheres. É bastante impressionante- ressalta Glauce.
A pesquisa analisa ainda formas específicas de assédio. Nesse caso, 77% das brasileiras disseram já ter sido alvo de assovios, 74% de olhares insistentes, 57% de comentários de cunho sexual e 39% de xingamentos. Chama atenção também o dado sobre estupro: 8% das entrevistadas afirmam que já sofreram essa violência.
Quando traçado um perfil por regiões do país, a área com maior número de relatos de assédio é o Centro-Oeste, com 92%, seguido do Norte, que registrou 88%, do Nordeste e do Sudeste, ambos com 86%, e, por último, o Sul com 85%.
SERVIÇOS PÚBLICOS FALHOS
Entre as causas para tanta violência, além do machismo, a coordenadora da campanha destaca a deficiência dos serviços públicos que não levam em consideração as especificidades da mulher em uma sociedade ainda opressora.
– É necessária uma qualidade do serviço no sentido em que haja iluminação nas ruas, que os servidores sejam treinados sobre como agir em casos de violência contra a mulher, além de integração entre os transportes, policiamento.- explica Glauce, que critica a falta de representatividade das mulheres nas instâncias de planejamento:
– É necessário que haja preocupação de que as mulheres sejam envolvidas no planejamento urbano, tanto a representação direta no executivo, como participação organizada em conselhos. A presença de gestoras mulheres é importante, principalmente nesse momento que vemos um retrocesso nos ministérios. Tememos que haja uma perda de espaço pelo entendimento de que isso não é uma prioridade. É importante garantir que as mulheres tenham respeitados seus direitos de disputar uma vida sem violencia.