OPINIÃO

Coluna Direito da Família

Cascavel e Paraná - A maternidade também pode ser um fetiche e isso fica claro nas bonecas hiper-realistas que ganham espaço no mercado, bem como seguidores e legislações para o reconhecimento do quem os fabrica. Para além de qualquer julgamento pessoal, a questão toca em um nervo social exposto: o desejo do maternar sem dores e o modo como, coletivamente, se tratam as crianças e os adolescentes.

Aos homens é permitido, socialmente, o afastamento do trabalho do cuidado cotidiano, enquanto às mães resta, geralmente, a parte menos romântica, que extrapola molduras controladas e às conduz à eterna disponibilidade. Os bebês reborn, nesse sentido, são uma metáfora perfeita à maternidade higienizada, ou seja, que não demanda – talvez como uma denúncia à loucura da sobrecarga feminina e da exaustão de estar sempre disponível, já que a divisão de responsabilidades nem sempre é justa. É uma maternidade sem risco, mas também sem ética, que trata mais do adulto que da criança. 

Para além da questão do gênero, o fenômeno também evidencia a questão do consumo, em que tudo se torna mercantilizado, inclusive a infância e a empatia. Isso permite a criação de desejos absurdos e ridículos, com a ânsia da aquisição para sentir-se pertencente. Contudo, em meio ao maio laranja, seria imprescindível um retorno à realidade das infâncias que dependem de escuta, proteção, tempo e presença reais – despidas das performances impecáveis e controláveis da parentalidade para garantir o afeto real.

Há celeridade na tramitação de projetos de lei para o reconhecimento dos fabricantes dos bonecos (conhecidos como cegonhas) como artesãos, o que é positivo ao fomento cultural, em especial de mulheres. Todavia, não se vê a mesma agilidade no processo legislativo e na aplicação de leis que protegem crianças de verdade.

Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o direito à dignidade, ao respeito, à proteção contra qualquer forma de violência. Além disso, a Lei 13.431/2017, conhecida como Lei da Escuta Protegida, estabelece um protocolo de atendimento para crianças vítimas ou testemunhas de violência, visando evitar sua revitimização durante processos judiciais. A escuta deve ser feita por profissionais capacitados, em ambiente seguro, com linguagem apropriada e sem repetições desnecessárias. Porém, a aplicação de ambas encontra lacunas.

Ademais, faltam centros de atendimento, profissionais treinados, estrutura institucional. E, principalmente, falta vontade política para priorizar crianças reais em vez de reproduzir performances de cuidado em objetos inofensivos. A garantia dos direitos dos menores depende de menos bonecas perfeitas e mais infâncias protegidas.

Dra. Giovanna Back Franco        

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito