Cotidiano

Defensor do voto em lista diz que sistema exige mudanças nos partidos

34946473_Miguel Relvas ministro dos Assuntos Parlamentares de Portugal Divulgação.jpgBRASÍLIA ? Defensor do sistema de lista fechada para as eleições proporcionais, o ex-ministro português Miguel Relvas afirma que o modelo exige mudanças na estrutura interna dos partidos e no financiamento das campanhas. Ele defende uma transição para se chegar ao sistema e avalia que os políticos brasileiros não desejam realmente essa mudança. Relvas foi um dos convidados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para um seminário sobre mudanças no sistema político brasileiro realizado nessas segunda e terça-feira.

Como reformar o sistema político se as principais lideranças estão sob suspeita?

No sistema atual os partidos não são um espaço depurador, mas no sistema de lista fechada, como tem existido em países da Europa, quando há casos de corrupção são os próprios partidos que tomam a decisão de afastar. Por quê? Porque não querem compartilhar disso. No Brasil isso não ocorre porque a punição é individual. Os partidos não têm sido afetados. Em um sistema de lista fechada, os partidos têm que ter atitude proativa. Em Portugal, sai uma situação sobre um dirigente de um partido e na pesquisa seguinte o partido caiu. Não foi a pessoa que caiu, foi o partido porque é o partido que precisa dos votos. Mas eu digo que é preciso ter mecanismos internos de profunda democracia ao nível nacional, estadual e municipal dentro dos partidos. Os partidos no Brasil estão cheios de comissões provisórias e isso não pode existir. Essa é uma questão central e inerente ao sistema. Por isso, em Portugal o tribunal fiscaliza também as eleições do partido. Tem que respeitar os espaços. Não pode ter dirigentes nomeados, tem que ser eleitos.

Não basta, então, só adotar a lista…

A lista implica desde logo em mudanças horizontais. A questão do financiamento é uma delas e a questão da organização dos partidos é outra. No Brasil a fiscalização do financiamento é a posteriori, porque não fazer também antes e durante os gastos? Em Portugal, os partidos têm de apresentar um orçamento ao tribunal constitucional. Depois, há a fiscalização durante para se verificar a regularidade. São aceitas doações somente de pessoas físicas e há subvenção do estado. No Brasil, vai ter que se mudar muitas outras coisas, com ou sem lista. A verdade é que a sociedade brasileira e a opinião pública estão com o poder como nunca tiveram. Hoje não se governa contra a sociedade. Você tem que ter partidos fortes e tem que limitar a criação de partidos, ser mais difícil criar. Há uma questão da desilusão dos eleitores e de todo esse processo da Lava-Jato que se vive no Brasil e tem que se tirar consequência. A consequência é criar um modelo forte, que não vai resolver os problemas na sua totalidade mas que traga estabilidade.

Reforma política

Tem como implementar esse modelo de imediato?

Penso que tem de haver um período de transição. Até com a cláusula de barreira tem que ter transição. Eu não sou a favor da revolução, sou a favor da evolução. E em cada momento temos de saber o que é possível de ser feito. Até porque essas questões aqui colocadas, da transparência, da fiscalização, se fizermos essa mudança com um discurso populista e demagógico é mais difícil. Quando a escolha de um candidato a governador de um partido for a escolha com eleições prévias dentro de um estado, no PMDB, no PSDB, no PT, fazer eleições internas, tudo será diferente. Além disso, a lista fortalece a questão de gênero, como aconteceu na Espanha e em Portugal. Hoje é o candidato que escolhe um partido, não o partido que escolhe um candidato. Se eu tivesse que encontrar uma frase para resumir a realidade seria essa.

Há uma avaliação de que o aumento de apoio a lista é uma tentativa dos atuais políticos de continuarem no poder?

Eu acho que não é assim. Pelo que vi, a maioria não quer mudar para lista fechada. A maioria quer ficar porque acham que tem mais facilidade de continuar com o atual sistema. O caminho para a lista fechada é longo. Sobre o argumento de que querem fazer com pressa, não me parece isso. Me parece que não querem. Tem que fazer regras. Essa próxima eleição pode ser com essa regra estando já aprovada a lei para a próxima e aí ninguém pode dizer que foi para beneficiar esse ou aquele, para beneficiar naquele ciclo ou no outro.

Porque o sistema de lista e não o distrital misto alemão, por exemplo?

O sistema alemão é de compensações. Não seria mal que tivesse esse modelo. O sistema alemão tem uma lista nacional, que é fechada, pela qual parte dos deputados são os eleitos e o restante vem dos distritos. Esse é um sistema misto. Todos tem vantagens e desvantagens.

E o sistema americano, que é distrital?

O Brasil tem que ver o caminho dos Estados Unidos e da Europa e escolher o seu caminho. Eu não descartaria que no Brasil houvesse uma lista nacional de 200 deputados e o resto fosse eleito por distritos. O problema no Brasil seria fazer os distritos. É mais fácil ter os deputados eleitos pelos estados do que fazer a divisão do Brasil.

Há excesso de partidos no Brasil?

Eu penso que aqui no Brasil metade do núcleo político tem na sua preocupação o parlamento e não governar o país. Sua preocupação é como conseguir uma maioria. Estamos falando de uma maioria de geometria variável, em que a maioria de hoje não é a de amanhã. Não é possível governar um país com esse grau de exigência se todo dia tem que falar com treze líderes partidários.

Essa dificuldade ficou clara no impeachment da presidente Dilma?

Acho que o impeachment, para mim, configurou-se como uma moção de censura e só recebe essa moção quem merece ser censurado. A verdade é que foi o poder que perdeu o apoio do parlamento e não foi a oposição que ganhou o apoio. Foi uma moção de censura típica, constitucional e adequada. Dentro e fora do Brasil se queria respirar outro ar.

Qual a imagem que o senhor tem do presidente Temer?

É o homem certo para este tempo. É muito difícil negociar com tantos partidos. A meu ver, do impeachment deveria resultar eleições. Não resultando, o Brasil teve a sorte de ter um presidente certo para a transição que vive. Seria muito mais difícil essa transição com outro perfil de presidente. É um perfil que gera entendimentos, que gera consensos, que não gera a ambição de vir a ser presidente e isso é importante. Acho que o Brasil na próxima eleição tem uma grande oportunidade. Pela ação do presidente Temer, o Brasil está menos tensionado. A questão é saber o que o próximo candidato trará para a sociedade brasileira. O candidato de 2018 não pode ser mais um candidato. Tem que ser aquele candidato que vai poder nesse mundo de tantas incertezas trazer estabilidade.