RIO ? De 2010 até 2014, o ato diário de levantar da cama exigia de Cláudia (nome fictício) uma força sobre-humana. Ela também não sentia vontade de acender a luz do quarto, tomar banho ou pentear o cabelo. Queria morrer. Não chegou a pensar em suicídio, mas rezava todos os dias para que uma morte natural e rápida lhe alcançasse logo. Esse estado de depressão profunda veio de repente, como resultado de um acúmulo de frustrações ao longo da vida. Aos 53 anos, Cláudia reconheceu os sintomas logo nas primeiras semanas de apatia, porque anteriormente já havia vivido pelo menos dois episódios depressivos.
? Eu já conhecia um pouco do sofrimento que a depressão pode causar, mas este foi o período em que ela mais me dominou. E, no início, eu recebia atenção das pessoas ao meu redor. Familiares e amigos iam comigo ao médico, tentavam conversar, mas logo depois é como se as pessoas desistissem de você. Ninguém pode parar a vida para cuidar de um depressivo. Eu acabei me tornando uma chata e me vi sozinha com a minha dor ? lembra ela, hoje aos 60 anos de idade.
A recuperação de Cláudia começou há três anos, quando ela procurou o grupo de apoio Neuróticos Anônimos, em que pessoas que sofrem de ansiedade, depressão e bipolaridade trocam experiências, num modelo inspirado nos Alcoólicos Anônimos. Ela já havia experimentado medicamentos antidepressivos, meditação, psicoterapia e mudanças no estilo de vida, mas foi apenas quando combinou tudo isso ao apoio de quem já passou pelo problema que conseguiu se reerguer.
PAÍS MAIS DEPRIMIDO DA AMÉRICA LATINA
Cláudia personifica um problema de saúde pública que tem números alarmantes: cerca de 350 milhões de pessoas sofrem hoje de depressão, o que representa 4,4% da população mundial; e menos de 10% desses indivíduos recebem o tratamento adequado, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, 5,8% dos habitantes ? ou 11,5 milhões ? convivem com esse problema. Os brasileiros são os mais deprimidos da América Latina.
Este cenário foi tema dos Encontros O GLOBO Saúde e Bem-estar, realizado na Casa do Saber na última quarta-feira. O cardiologista Claudio Domênico, coordenador do evento, ressaltou que a depressão é um problema cada vez mais presente nas famílias.
? Todo mundo conhece ao menos uma pessoa com essa doença. Alguns dos principais sintomas são perda de sono, ansiedade e irritabilidade ? definiu Domênico.
Nessa edição, o psiquiatra Nelson Goldenstein e a psicóloga Ana Luiza Novis discutiram o estigma que cerca a doença, o porquê de ela afetar duas vezes mais mulheres do que homens e o que faz com que ela seja mais frequente na adolescência e durante a velhice.
? Não é costume associarmos a depressão à adolescência, mas isso está cada vez mais comum ? disse Goldenstein. ? É uma fase de transformações e, assim como no envelhecimento, os indivíduos podem não saber como lidar de forma saudável com essas mudanças. Não à toa, a taxa de suicídio nessas duas etapas da vida é alta.
Para evitar que se chegue a essa situação extrema, o psiquiatra diz que o melhor meio é a prevenção, com programas escolares que evitam o bullying e diminuem as desigualdades sociais e atividades que incentivem o envolvimento social para idosos.
Para estimular um esforço mundial na prevenção desse mal, a OMS lançará uma campanha de combate à depressão em 7 de abril, Dia Mundial da Saúde. Além de tentar evitar a doença, é importante conhecer os tratamentos adequados. Segundo Goldenstein, deve-se atentar para o fato de que a medicação nunca deve vir sozinha.
? Não se trata depressão apenas com remédios. É preciso unir várias abordagens: psicoterapia, nutrição mais saudável, práticas sociais ou espirituais, suporte da família ? destacou ele.
Para o sexo feminino, o processo de envelhecimento tende a vir acompanhado da menopausa e suas variações hormonais características que favorecem o estado depressivo: o simples fato de a mulher saber que está passando pela menopausa e o medo do que virá depois tende a torná-la mais propensa à depressão. E então o aspecto psicológico se soma ao fator hormonal.
? A mulher sofre a cobrança da juventude a qualquer custo e de cumprir de forma eficiente um sem-número de papéis, como o de mãe, esposa, trabalhadora, dona de casa ? afirmou a psicóloga Ana Luiza Novis. ? Nem todas conseguem encarar essa pressão de forma saudável. Ser mulher, no nosso tempo, gera um estresse permanente.
Segundo Ana Luiza, a ascensão das redes sociais intensificou o problema porque aumenta a pressão para que as pessoas pareçam felizes o tempo todo.
? Numa época em que o ?parecer feliz? é tão importante, compartilhar tristeza afasta as pessoas e é fonte de preconceito. E quem sofre, em geral, tem vergonha de falar. Mas, quanto menos se fala, menos se entende que a depressão é uma doença real, que não é frescura ? sublinhou a psicóloga.
VEJA ALGUNS GRUPOS DE APOIO
Neuróticos Anônimos: Há vários grupos dessa rede em todos os estados do país. Na cidade do Rio são 27, entre os quais o do Largo do Machado, que se reúne na Igreja Nossa Senhora da Glória (Rua das Laranjeiras 16) toda quarta-feira, às 19h30m; e o do Centro (Rua Acre 47, sala 412) com reuniões às terças-feiras, às 18h, às quartas-feiras, às 10h e às sextas-feiras, às 18h30m. O telefone geral é 2233-0220.
E-mail: [email protected] / Site: www.enaerj.org.br
Emocionais Anônimos: Reuniões na Igreja Santo Afonso, na esquina das ruas Barão de Mesquita e Major Ávila, sala 215, na Tijuca. Às quartas-feiras, das 15h às 17h. E-mails: [email protected] e [email protected].
Grupo Afetivo Bipolar Rio (GAB-Rio): Avenida 28 de Setembro 389, 7º andar do Edifício Vila Trade Center, em Vila Isabel. As datas das reuniões devem ser consultadas pelo telefone 2576-5198.
Abrata: A Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtorno Afetivos fica na Rua Borges Lagoa 74, conjunto 2, Vila Clementino, em São Paulo. Reuniões ocorrem às terças e quintas-feiras, das 19h às 20h30m, e aos sábados, das 14h30m às 16h. Telefone: (11) 3256-4831.
Apta: O núcleo de Ajuda a Pessoas com Transtornos Afetivos, do Distrito Federal, tem sede na Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, na sala AC 111. Os acolhimentos são aos sábados, às 15h. Telefone: (61) 3307-2522.
E-mail: [email protected]