A música tem sido um ingrediente importante na recuperação de Gabriel Jesus, que, após um início arrasador no Manchester City, sofreu fratura no pé direito, passou por uma cirurgia e está afastado dos gramados desde 13 de fevereiro. Entre tantos membros da equipe médica do clube inglês, é em dona Vera Lúcia de Jesus que ele encontra apoio para se recuperar e controlar a ansiedade.
– O raciocínio foi: “vamos botar para quebrar”! A gente fez muita bagunça. Ele cantava todo dia, e o Felipe (irmão) tocava violão. Fizemos de tudo para ele não ficar pra baixo. Se ficasse, a cura ia demorar mais. Sei que as pessoas vão me achar doida, podexá! – conta a mãe de Gabriel, de 51 anos, que se mudou para a Inglaterra com o jogador de apenas 19 anos, após temporada vitoriosa no Palmeiras. – Os primeiros dias após a contusão foram difíceis. Eu chorava por dentro, mas ria por fora. Não demonstrei nervosismo. Aliás, foi o que fiz a vida toda. Ele é um pouco fechado, mas sei o quanto ficou triste.
Vera, de passagem pelo Brasil com o filho, diz que ele, mesmo andando com o auxílio de muletas, está “quase voltando”. Os jornais ingleses dão como certo seu retorno em 23 de abril, na Copa da Inglaterra, em semifinal contra o Arsenal. A data, porém, não é confirmada pelo clube. Por aqui, o campeão olímpico na Rio-2016 visitou o Palmeiras e deverá ir ao jogo da seleção brasileira pelas Eliminatórias, contra o Paraguai:
– Ele está bem, é muito forte. Quando tinha uns 13 anos, na várzea, chutou uma pedra, fraturou o dedinho do pé e o osso ficou para fora. Ficou dois meses sem jogar. Chorava tanto, tadinho. O sentimento dele com o futebol é a vida.
A mãe do craque lembra que, desde pequeno, ele é assim, brincalhão e musical. Segundo ela, se não fosse jogador, o filho queria ser cantor. Ele adora pagode, samba, sertanejo, funk, rap e black music.
– Pelo amor de Deus! Não deixava, não! A voz dele é muito ruim! Melhor com os pés. A família toda jogou na várzea, irmãos, primos e sobrinhos. Ele continuou. Nunca me deu trabalho, mesmo bagunceiro – entrega a mãe, que o chama de bebê, contra a vontade dele, claro. – Meu irmão, já falecido, o levava todo dia para a laje da minha mãe para ele dançar. Dois aninhos, tão bonitinho, cabelão todo enrolado, ficava rebolando para tudo quanto é música. Uma cunhada o apelidou de Feliz. Ele é um menino feliz, machucado ou arrasando em campo.
Vera é mãe e pai de Gabriel. Viúva, desdobrou-se entre uma faxina e outra para criar os quatro filhos: a lista completa tem ainda Felipe, Caique e Emanuele. Obrigou todos a estudar (“preto e pobre precisa de estudo”) e a respeitar as mulheres (“filho meu não engravida filha dos outros, exijo respeito porque criei os três sozinha”).
Caique, pai de Miguel, e Emanuele, mãe de Amanda e Rian, continuam no Brasil. Apenas Felipe também seguiu para Inglaterra. Rígida, Vera é sempre lembrada pelo jogador, o caçula, em entrevistas ou nas comemorações dos gols. Ele até criou gesto para homenageá-la: finge que liga para ela, balançando a mão, apenas com o polegar e dedinho esticados, ao lado do ouvido.
Não à toa, Vera dá pitacos sobre o desempenho dele, principalmente no que diz respeito ao posicionamento. Nem a estreia no City passou em branco. Mesmo com a boa atuação do filho em menos de dez minutos em campo.
– Reclamei porque estava impedido (ele teve um gol anulado). Custava ter dado três passos para trás? – observa Vera. – Ele não quer que eu fale mais isso nas entrevistas (risos). Mas é que sempre fui palmeirense, sempre vi futebol e me sentia à vontade para opinar sobre o jogo. Agora, como não conheço os jogadores do City, quais os pontos fortes, ainda não faço comentários.
Por causa dos palpites, o filho se refere a ela como se fosse seu técnico. Assim, Vera já foi “Marcelo Oliveira”, “Cuca” e, agora, corre o risco de se tornar “Pep Guardiola”. O treinador do City, aliás, mora no mesmo prédio dos Jesus:
– Ele é bom, uma pessoa simples. Só o vi uma vez no elevador. Estava com a filha. Não me cumprimentou porque não sabia quem eu era. E eu também fiquei na dúvida porque nunca o tinha visto tão de perto. Comentei com meu filho que o moço era a cara do Guardiola, mas não falei nada também para não pagar mico.
Depois do episódio, Vera pensa em quebrar o gelo. E brinca que vai usar a estratégia “da boa vizinhança”:
– Qualquer dia vou na casa dele pedir açúcar. Sou bem doidinha mesmo. Essa é uma coisa de brasileiro, muito gostoso. Quantas vezes fui na vizinha pedir café e depois retribuía também, com outra coisa. Quem sabe… – falou, para em seguida se perguntar se deveria mesmo: – Vai que ele bate aqui depois para pedir um quilo de carne (risos)?
Hoje, Vera não trabalha fora. Uma tendinite no braço direito a impede de fazer esforço. Além disso, o filho a proíbe. Sua rotina em Manchester inclui cozinhar para os meninos – ela “adotou” dois amigos de Gabriel do Jardim Peri que estão estudando na Inglaterra -, passear pela cidade e estudar inglês. Já encontrou restaurante e lojinha que vendem pratos e produtos brasileiros:
– Mas o feijão de casa é sempre melhor. No primeiro dia no novo apartamento, Gabriel queria porque queria feijão. Tive de improvisar com aquelas panelas elétricas de arroz. Mas fiz. Ele gosta de arroz, feijão e estrogonofe. Na Inglaterra, fica ainda melhor porque o creme de leite é encorpado – constata Vera, a grande responsável pela recuperação rápida de Gabriel. – A gente enfrenta tudo. O segredo é fazer o nosso ambiente o melhor possível. É isso que faço pelo Gabriel. Sempre.