OPINIÃO

Coluna Direito da Família: Engajamento familiar em tempos de Tik Tok

O curioso contraste da doçura da laranja-lima com seu pé está na obra de José Mauro de Vasconcelos (“Meu pé de laranja lima”) que evidencia os impactos da falta de suporte emocional das famílias através de educação punitiva, com agressões e castigos físicos sobre crianças e adolescentes. As frustrações dos adultos são disfarçadas sob o pretexto de limites e geram um ciclo de dor e falta de compreensão dentro das famílias.

Nesse sentido, a autoridade dos pais sobre os filhos menores não se compreende, juridicamente, de forma absoluta – no sentido de haver poder de vida e morte sobre a vida dos filhos. Em verdade, o chamado poder familiar (ou autoridade parental) está mais para uma gama de obrigações dos genitores, na qual se inclui o dever de educação.

Esta não deve se utilizar de métodos correcionais que violem a dignidade do menor, como se observa na lei Menino Bernardo (conhecida como lei da palmada), a qual proíbe o uso de castigos físicos para educação dos filhos e prevê o uso do diálogo e entendimento mútuo. Ou ainda, na decisão do Superior Tribunal de Justiça em que se entende que golpes de cinto ou cintadas, por exemplo, não são considerados atos socialmente aceitáveis, pois atingem a incolumidade dos menores.

Violência psicológica

Em nenhum dos casos, contudo, há previsão expressa sobre violência psicológica às crianças e adolescentes. O próprio crime de violência psicológica, previsto no Código Penal, versa sobre a violência praticada contra a mulher, no contexto doméstico.  Há disposição sobre a violência psicológica aos menores no Estatuto da Criança e do Adolescente, porém a prática encontra barreiras em legislações genéricas e na dificuldade de comprovação.

Recentemente, outro ponto ganha atenção no que diz respeito à supervisão parental: o uso da tecnologia. Aliás, em alguns casos, esta é a substituta encontrada diante da sobrecarga parental, especialmente materna. O contexto de vulnerabilidade socioeconômica, cominada com a falta de políticas públicas específicas, favorece o “parenting digital”, quando as telas são os aliados na criação dos filhos. Essa dinâmica interfere na saúde mental dos menores, além de interferir na dinâmica familiar como um todo, visto que constantemente necessidades físicas ou emocionais são ignoradas diante do menor engajamento entre os membros familiares.

Excesso de telas

Para além de considerar as condutas individuais de eventual negligência com os pequenos, é importante considerar que o excesso de telas existe dentro de um contexto em que os pais exercem jornadas excessivas de trabalho, em que não há estrutura educacional suficiente para todos (apesar do mando constitucional), em que os espaços domésticos são cada vez mais limitados pelos custos imobiliários, em que os espaços públicos não são necessariamente seguros, em que atividades extracurriculares não são economicamente acessíveis à maioria, em que mães assumem majoritariamente a educação dos menores, pela imposição dos papeis sociais.

Qualquer dos debates anteriores, necessariamente, perpassa a justiça social e a necessidade de políticas públicas. O olhar para a criação dos filhos depende de empatia e análise sistêmica, ou seja, analisar os fatores envolvidos no árduo e gratificante trabalho da parentalidade, o qual pode ser mais equitativo e sem violência, através do acolhimento, do diálogo e do cuidado – exercido por todos.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito