Escrevi e publiquei este texto em 2014, mas volto a publicá-lo porque chego mais uma vez a Portugal, terra fantástica, e encontro manifestações do povo contra o Acordo Ortográfico de 1990, adotado no Brasil a partir de 2016. Em Portugal, ele teria sido adotado em 2009, mas há polêmica quanto a essa data, em razão da não publicação em tempo hábil do Diário Oficial de Portugal. Mas a verdade é que o Acordo nunca foi totalmente assimilado no país, pois a maioria não quer mudar a maneira de falar nem de escrever. E os portugueses pedem para revogar o documento, com a Iniciativa Legislativa de Cidadãos Contra o Acordo Ortográfico, tendo conseguido já o número de assinaturas necessárias para encaminhá-la.
Então, bem antes disso, um artigo, muito interessante, sobre o fato de o Acordo Ortográfico e a Unificação da Língua Portuguesa – essa pretendida “unificação” não tem como ser levada a efeito – não ter melhorado o acesso do livro português no mercado brasileiro, me chama muito a atenção: “Ao estabelecer uma ortografia unificada, o acordo ortográfico iria facilitar a circulação do livro português no Brasil. E a circulação de livros de um país lusófono nos outros. Este foi, entre muito outros, um dos argumentos brandidos em favor da sua aplicação. Agora que, tanto em Portugal como no Brasil, boa parte das editoras adotou o acordo, essa promessa começa a se concretizar? A resposta parece ser negativa.” Esse texto é de origem portuguesa, está num apanhado de clips sobre livro e literatura, mas não identifica o órgão publicador.
Uma afirmação de Pedro Benard da Costa, da legendadora portuguesa Cinemateca, fecha o texto – que não é pequeno, com depoimentos de editores e livreiros portugueses: "A construção gramatical é completamente diferente e há muitas palavras que não têm o mesmo sentido cá e lá."
Pois venho escrevendo sobre isso há anos, ponderando que o Acordo Ortográfico não significa que haverá, automaticamente, uma unificação da língua portuguesa em todos os países onde é falada. Existem muitas palavras que têm significado diferente aqui e em Portugal, e é possível que isso aconteça na comparação com outros países, como Cabo Verde, Angola etc. Lá fora existem muitas palavras que são não usadas aqui e vice-versa.
Assim, uma alteração quase que exclusivamente de acentuação não resolveria as diferenças de significação, o que não inviabiliza a leitura dos livros portugueses no Brasil.
O que incomoda é a pretensão de alguns dos promotores do acordo em querer que o português seja exatamente o mesmo, independente do país onde ele é falado. Se até dentro do mesmo país há diferenças na maneira de falar o português – isso acontece no Brasil -, como esperar que a língua seja a mesma em vários países onde ela é a língua oficial, tão distantes uns dos outros? A linguística existe e vai continuar existindo sempre, não há como ser diferente.
Tenho lido vários autores portugueses, como José Luís Peixoto, Gonçalo M. Tavares, Miguel Torga, Saramago e o angolano Valter Hugo Mãe (que vive em Portugal) e não tenho dificuldade na compreensão dos textos, apesar de serem livros publicados em Portugal e, por isso, conterem palavras desconhecidas. O contexto permite que se entenda perfeitamente o assunto. Não tenho dicionário português que não seja o nosso do Brasil, mas posso pesquisar na internet, se for o caso.
Aliás, como já sabemos pelos clássicos portugueses mais conhecidos no Brasil, Pessoa e Camões, a literatura portuguesa é rica e de qualidade. Quem conhece os autores contemporâneos citados acima sabe do que estou falando, pois são autores consagrados em Portugal, com obra extensa e largamente premiada. Vale a pena conhecer. O português não é exatamente o mesmo que o nosso, há diferenças, sim, mas não há necessidade de tradução para publicação da obra de autores portugueses aqui, porque a compreensão é completamente possível.
Luiz Carlos Amorim é escritor, editor e revisor, Cadeira 19 na Academia Sul-Brasileira de Letras – http://lcamorim.blogspot.com.br