RIO – Há seis anos o artista holandês Wouter Osterholt entrou com seu colega de trabalho Elke Uitentuis pela primeira vez na inacabada Torre H, projeto da década de 1970 do empresário Múcio Athayde. Com desenhos de Oscar Niemeyer e jardins de Burle Marx, Athayde previa criar um novo centro na Barra da Tijuca. Osterholt começou a descobrir esta história em 2010, ao encontrar documentos abandonados no local. Seis anos depois, após um cuidadoso trabalho de pesquisa feito por ele e pela pesquisadora alemã Ingrid Hapke, parte do material inédito está exposto no Studio X, no Centro, no projeto Paraíso Ocupado.
Como é o projeto?
Osterholt: Em 2010 eu era um artista fazendo residência e queria estudar como a segregação se relaciona com a arquitetura no Rio. Vi que vários pesquisadores estavam focados nas áreas informais da cidade. Então, quis falar do outro lado, dos condomínios fechados. Visitei muitos na Barra, e sempre ficava curioso para saber a história das torres. Demorou quatro meses até conseguirmos acesso à torre abandonada, e, durante a visita, em uma das salas encontramos pilhas de documentos. Descobrimos que os papéis eram do Múcio Athayde. Grande parte estava em inglês, o que facilitou o trabalho, porque a venda de apartamentos nas torres era em parte para estrangeiros. A partir daí começamos a traduzi-los para o português.
O que vocês descobriram?
Ingrid Hapke: Não há uma só narrativa, mas várias. Ano passado, passamos três meses realizando entrevistas, inclusive com moradores da Torre Charles de Gaulle (que foi finalizada).
O: Isso para nós foi fantástico. As pessoas moram lá e não sabem a história da torre. Faltava informação oficial. A partir daí nos demos conta de que o material encontrado deveria ser compartilhado. É uma história muito relevante até nos dias de hoje. Os erros cometidos na urbanização da Barra durante de 1970 estão sendo repetidos agora na Olimpíada. A falência da infraestrutura, a poluição das águas.
Qual o objetivo da mostra?
O: Em parte é chamar a atenção, para pleitear a construção de um museu para estes papéis. Nos últimos dois anos a Associação dos Adquirentes da Torre H está em contato com o Paulo Sérgio Niemeyer (arquiteto, bisneto de Oscar Niemeyer), que pensa em fazer um museu da urbanização, envolvido com um projeto para renovar a Torre H. É um projeto ambicioso.
Como você vê a relação entre as falhas do Plano Lucio Costa e da Olimpíada?
O: Um paralelo interessante é como o desenho original previa que a natureza se beneficiasse da urbanização, em vez de ser prejudicada. A história se repete, por exemplo, com o Campo de Golfe Olímpico. A premissa era de que ele traria benefícios para o meio ambiente, mas parece que a natureza sofreu com sua construção.
I: Há também a relação com as remoções feitas na década de 1980 para o plano de urbanização. Isso se repete agora, com a Vila Autódromo.
Era possível recuperar parte do plano original da Barra, com os Jogos?
O: Não sei. Sempre dizem que, quando o Lucio Costa chegou, não havia nada na Barra. Mas havia: a natureza. Revisitando o plano, vê-se que ele olhou para isso. Nossa exposição revisita o plano. Acho que é para isso que serve a Olimpíada, para pelo menos fazer refletir.
I: É interessante que, a partir de certo ponto, o plano de Niemeyer para criar um centro na Barra simplesmente deixou de ser respeitado. E isto está acontecendo agora também. O legado que Lucio Costa e Niemeyer imaginaram não foi o que ficou, assim como acontece agora com a Olimpíada.
Como vocês veem as pessoas que compraram apartamentos na Torre H?
I: É uma tragédia. Tem gente esperando há 30 anos para morar lá, pessoas que morreram e cujos filhos estão nesta luta. É muito tempo para esperar justiça.
Qual a sua impressão sobre Múcio Athayde?
O: A forma como ele usou o sistema foi muito inteligente. Sabia se relacionar, namorou a filha de Juscelino Kubitschek. Foi um estrategista de mídia brilhante, sabia trabalhar isso. Apesar de tudo, ajudou a viabilizar a Barra. Ele trabalhou com o Niemeyer. É algo que até hoje não entendo em relação ao Brasil, essa união de um capitalista como Athayde com um comunista como o Niemeyer. Ele corporifica uma forma de pensar do Brasil, que é pensar grande e ser muito oportunista. Depois da aventura na Barra, foi para Miami, o que é interessante porque há muita gente que diz que a Barra é a Miami brasileira. E lá começou a construir três grandes torres em frente à praia. Foi à falência, de novo, em 1999. Ou seja, cometeu os mesmos erros.
Qual era sua impressão da Barra antes de conhecer essa história toda?
O: Achava-a muito americana. Muito feia. Tudo muito privatizado, que estimula um estilo de vida insustentável, que mata o planeta e exacerba o contraste entre ricos e pobres.
I: Tive um professor brasileiro que falava do trânsito horrível. Nunca pude conceber essa ideia de passar duas horas na ida e na volta para o trabalho.
Como vocês imaginam a Barra dentro de 20 anos?
O: Vejo-a mais densa, com mais edifícios. Cada vez mais altos. É só pegar o que temos hoje e amplificar.
I: Não tenho tanta certeza disso. Tem muita gente saindo de outras regiões e vindo para a Barra, talvez os apartamentos fiquem mais baratos, voltados para pessoas de classe média baixa.