RIO – Para muitos cariocas, a inauguração da ampliação do Elevado do Joá representou
um novo caminho para suas casas. Mas, para um grupo de pessoas, significou uma
nova casa nos descaminhos da vida. Elas vivem ali mesmo, nas pedras colocadas
para segurar a encosta ao lado da nova construção e sob o antigo viaduto. Do mar
de São Conrado, tiram o peixe que esquentam em fogueiras para comer. Água não é
problema, corre límpida e farta de uma mina.
O mais antigo habitante do local está lá há oito anos.
Com o novo elevado, ganhou cinco vizinhos. Ele até ajudou a erguer a construção.
No período da obra, trabalhou ali como ajudante de pedreiro e, por causa do
barulho, conta ele, se mudou para um barraco alugado na Rocinha. No local, é
chamado pelos mais recentes moradores de Capitão. links joá
SEM DOCUMENTOS
A identidade da rua é a única que restou ao cearense Roque Simão, de 44 anos.
A perda de seu documento de identificação e de todos os outros que tinha foi o
que o levou a morar sob o elevado, segundo conta.
? Eu trabalhava como garçom numa lanchonete no Centro, mas num incêndio em
2003 todos os meus documentos foram queimados. Nunca consegui tirar outros,
porque dizem que só posso fazer isso no Ceará e não tenho dinheiro para viajar
para lá. Sem documento, não consigo emprego de carteira assinada e não posso
pagar aluguel ? explica.
A relação com os novos vizinhos, diz, é boa, mas ele
acha que, com seis moradores, se chegou ao limite do local. Afirma ser quem
controla a área e libera ou não a presença de novos habitantes. Por isso, é
chamado de Capitão.
Dois dos novos habitantes estão morando logo ao lado do
novo elevado há cerca de 15 dias. Quem passa de carro consegue ver as barracas
de lona montadas sobre as pedras da encosta. Os dois são artesãos. Ali, eles
colhem a matéria-prima para as obras: o cipó das árvores que ficam logo acima.
De lá, vão a pé até o ponto de venda de seus produtos: a Praia de São Conrado e
a entrada da Associação de Voo Livre, que atrai muitos turistas. Lauro Ribeiro,
de 47 anos, e Edvaldo da Silva, de 30, produzem miniaturas de barcos,
asas-deltas e tartarugas. Por peça, cobram cerca de R$ 150.
Segundo Lauro, eles não são moradores de rua. Afirma que tem mulher, três
filhos e uma casinha no Tanque, em Jacarepaguá. Mas lá, além de não encontrar
cipós com facilidade, não poderia cobrar o mesmo pelos artigos.
? Lá no Tanque, as pessoas não têm dinheiro para pagar
R$ 150 por minha arte. Aqui tem muitos turistas, muitos moradores da Zona Sul e
da Barra. O pessoal tem mais grana e dá mais valor ao meu trabalho ? explica.
Edvaldo concorda com Lauro. Por isso, trocou um barraco
no Morro do Banco, no Itanhangá, pela encosta do Joá. Pernambucano, ele veio
para o Rio há dois anos, trabalhou como garçom e preparando crepes, mas conheceu
Lauro, gostou de seu artesanato e decidiu fazer o mesmo.
A Secretaria municipal de Desenvolvimento Social
informou que suas equipes fazem abordagem de moradores de rua em todas as áreas
da cidade. Essas pessoas, diz o órgão, são convidadas a ir para abrigos, mas os
adultos têm o livre arbítrio de acompanhar ou não as equipes.