Cotidiano

Experimento inédito recupera movimentos em pacientes paraplégicos

RIO — Na cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2014, o pontapé inicial da competição foi dado por Juliano Pinto, um jovem paraplégico vestindo um exoesqueleto comandado pelo cérebro. Agora, no primeiro relatório clínico do experimento, pesquisadores do projeto Andar de Novo relatam que os oito pacientes que passaram pelo treinamento recuperaram a habilidade de mover voluntariamente os músculos da perna, sentir toque e dor nos membros paralisados, recuperar graus de controle da bexiga e do intestino e melhorar a função cardiovascular, que em um caso resultou em redução da hipertensão.

— Quando nosso laboratório na Universidade de Duke, trabalhando com o laboratório John Chapin, na Filadélfia, criou o paradigma da interface cérebro-máquina, no fim dos anos 1990, a expectativa era que, no máximo, ela permitisse às pessoas recuperarem a mobilidade por meios artificiais, usando próteses ou exoesqueletos controlados pelo cérebro — disse o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, líder do projeto. — Nós nunca previmos que a interação dos pacientes com esses dispositivos durante um longo período poderia induzir a recuperação neurológica, incluindo melhorias sensoriais, motoras e viscerais, funções perdidas por lesões espinhais devastadoras, como no caso dos nossos oito pacientes.

O relatório foi publicado nesta quinta-feira no periódico “Scientific Reports”, e descreve os resultados obtidos após o primeiro ano de treinamento, realizado entre janeiro e dezembro de 2014. Os pesquisadores teorizam que o regime de longo prazo com o uso do exoesqueleto promoveu uma reorganização cerebral e ativou nervos dormentes, que podem ter sobrevivido ao dano espinhal, ocorrido nos pacientes envolvidos entre 3 e 13 anos antes.

De acordo com Nicolelis, diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke, ainda não é possível avaliar os limites da recuperação clínica, já que os pacientes continuam melhorando desde a demonstração da tecnologia durante a Copa do Mundo. Um segundo relatório, com descrições dos avanços entre dezembro de 2014 e maio deste ano, ainda está sendo produzido. Entretanto, os resultados iniciais já indicam que a descoberta tem o potencial para alterar as práticas de reabilitação de pacientes paraplégicos, transformando o status da interface cérebro-máquina de mera tecnologia assistiva para uma terapia na recuperação de danos espinhais.

Até então, nenhum estudo clínico sobre o uso da interface cérebro-máquina demonstrou melhorias neurológicas nos pacientes. Nicolelis acredita que a ausência é explicada porque os experimentos anteriores foram de curta duração e sem a realização de avaliações neurológicas detalhadas em busca de melhorias clínicas, já que a técnica era vislumbrada apenas como uma forma de dar mobilidade aos pacientes por meio de próteses.