Creio que este artigo não vai agradar à maioria, presente nos extremos políticos. Sou daqueles que, quando em um grupo de colegas de esquerda, defendo a dialética em favor da direita, e faço o contrário quando converso com amigos de direita, que tendem a negligenciar a responsabilidade social e ambiental face ao liberalismo econômico, que estimula a ganância humana. Evidentemente, tiro dessa equação a defesa do espectro político petista, que já caiu de maduro ao ter mostrado que essa tal de ganância está presente em todos, em menor ou maior grau. Tento respeitar as opiniões, mesmo que não concorde. É uma tolerância que se aprende quando se trabalha com ensino universitário.
Também aprendi que essa é uma conduta interessante quando se quer defender o meio ambiente e a economia ambiental dentro de um contexto jurídico e pericial pelo qual atuamos. E, ao criticar os extremos de ambos os lados, encontramos a razão, mesmo não sendo popular e não agradando aos que querem soluções simples para problemas complexos.
A tragédia do rompimento de represa de rejeitos de mineração em Brumadinho (MG) segue a mesma narrativa do ocorrido em 2015 em Mariana. Têm-se todos os elementos para o devido processo legal, sendo conhecidos os responsáveis, as punições previstas e as provas materiais. Torna-se possível para os órgãos competentes buscarem a responsabilização nas esferas penais, cíveis e administrativas. As cifras ultrapassarão a casa dos milhões em prejuízos e danos econômicos, que não são nada considerando o aspecto humanitário e as vidas humanas perdidas.
Esses crimes foram verdadeiros desastres ambientais. Como calcular as indenizações para todo esse prejuízo? A análise que me permito diz respeito ao Decreto Federal 8.572 vigente neste momento e que foi assinado pela então presidente Dilma em 2015 por ocasião de Mariana, alterando a Lei Federal 8036/1990, no sentido de requalificar o rompimento de barragens como sendo um tipo de desastre “natural”, equivalente a terremotos, por exemplo. Tal modificação na lei teve como pretexto o de favorecer aos cidadãos o saque do FGTS para que pudessem retomar suas vidas.
Não me parece justo ao cidadão ter que gastar o FGTS na recuperação de prejuízos que foram causados por uma grande empresa de mineração. O correto seria serem devida e prontamente indenizados à custa dessas corporações.
O pano de fundo do decreto teve um inequívoco lado maligno. Os advogados dessas empresas passaram a ter uma carta na manga para contraditarem a responsabilidade objetiva das empresas, caso aleguem ter causado um desastre natural (e não ambiental; uma hipótese a ser verificada nos autos). Deve-se lembrar também que o governo federal ainda detém cerca de 49% da Vale, passando a ser corresponsável pelas indenizações, o que comprometeria os lucros e a repartição dos dividendos, algo a ser considerado quando o orçamento público está deficitário.
Dentre os anos de 2015 para 2019, quais foram as ações para endurecer a fiscalização ambiental dessas obras, que foram de fato tomadas pelas autoridades do governo PT/PMDB (Dilma-Temer/Pimentel)? Qual o tamanho do mar de lama por trás dos interesses políticos? Olhando para o outro espectro político, quais serão as medidas vindouras a serem tomadas pelos atuais Governos Bolsonaro e Zema?
Parece que esse desastre veio para sensibilizar o atual governo, ainda em seus primeiros dias, dos riscos de uma reforma para a flexibilização do licenciamento ambiental das grandes obras. É preciso rediscutir o licenciamento visando à valorização das questões técnicas e da engenharia associada à prevenção dos riscos e da minimização dos prejuízos ambientais. Esses projetos devem ser conduzidos por equipes multidisciplinares capitaneadas por engenheiros credenciados no Sistema Confea/Crea, pois a responsabilidade técnica deve ser também fiscalizada, em que pese a aprovação dos estudos ambientais seja de competência dos órgãos públicos. E, na esfera pública, é preciso priorizar a eficiência da governança, com a valorização da carreira do analista ambiental com ênfase na engenharia, pois os fiscais devem ser peritos na análise dos laudos (atualmente o cargo de analista é genérico). E aumentar o comando e o controle sim, junto com outras estratégias de mercado. Haverá a prevalência do interesse público sobre a nova governança? Teremos que aguardar os próximos capítulos…
Alvaro Boson de Castro Faria é engenheiro florestal, professor doutor na UTFPR Câmpus Dois Vizinhos, membro do Conselho Deliberativo da Aefos/PR – [email protected]