RIO – Se, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, o salário das mulheres foi 74,2% do que receberam os homens no Brasil, elas estariam trabalhando ?de graça? a partir das 14h56 ? considerando uma carga horária de oito horas e o horário de entrada às 9h da manhã. Foi este o cálculo que levou as islandesas a fazerem uma greve na segunda-feira a partir das 14h38, horário em que, segundo as associações feministas, elas estariam deixando de ser pagas por receberem um salário 14% menor que os colegas homens.
O retrato da situação para o Brasil foi calculado pelo O GLOBO com a supervisão de duas economistas, Hildete Pereira de Melo e Cristiane Soares. Organizações europeias fazem cálculos também para definir em que momento do ano as mulheres passam a ?trabalhar de graça? ? na Bósnia, por exemplo, a data seria 15 de julho, e na Noruega, 4 de dezembro. O cálculo, claro, é genérico e não distingue dias úteis de dias de descanso, mas no Brasil, segundo os dados da PNAD de 2014, as mulheres param de receber uma remuneração igual à dos colegas em 28 de setembro.
As islandesas protestaram contra a lenta diminuição na desigualdade de gênero, e apontaram que, a cada ano, as mulheres ganham apenas mais três minutos de pagamento igualitário. No Brasil, segundo os cálculos para os últimos quatro anos, adiciona-se anualmente cinco minutos: em 2013, as mulheres deixaram de ser remuneradas como os homens às 14h50; em 2012, às 14h48; e em 2011, às 14h51.
Para Hildete Pereira de Melo, professora na Universidade Federal Fluminense (UFF), os dados genéricos permitem um retrato genérico da desiguldade salarial entre homens e mulheres ? que escondem nuances até mais drásticas.
? A diferença salarial aumenta com a escolaridade, por exemplo. Isto é um retrato que, por mais que a mulher tenha doutorado ou faça um esforço colossal para aumentar sua educação, o patriarcalismo está enraizado. A inclusão das horas gastas em afazeres domésticos também desnudariam uma jornada maior, e esta é uma questão vital para entender a desigualdade de gênero.
Nos cálculos realizados pelo GLOBO, o Brasil aparece com um horário de saída do trabalho mais tardio que a Islândia ? o que pode dar a impressão de que há no país nórdico uma desigualdade salarial de gênero menor. É importante destacar, porém, que não foi possível acessar os cálculos exatos feitos para a Islândia, que é inclusive considerada pelo Fórum Econômico Mundial (FEM) o país com menos disparidade entre homens e mulheres no mundo.
A discussão sobre a igualdade de gênero ganhou novos capítulos nesta semana: na segunda-feira, um novo relatório do FEM revelou que, no ritmo atual, a desigualdade salarial entre homens e mulheres só terá fim em 170 anos. Nesta sexta-feira, a ONU Mulheres promove o evento ?Por um Planeta 50-50 em 2030: Mulheres do Amanhã? no Rio de Janeiro.