BERLIM ? O drama humanitário gerado pela migração de populações de regiões em conflito é abordado de forma bem humorada em ?The other side of hope?, de Aki Kaurismäki, exibido na manhã desta terça-feira na competição do 67º Festival de Berlim. Conhecido por personagens exóticos e pela ironia fina, o diretor finlandês encantou a plateia berlinense com o tom esperançoso com que cruza o caminho de um refugiado sírio e de um comerciante em momento de reformulação da vida na Helsinki de nossos dias.
O filme abre com Khaled (Sherwan Haji) emergindo de uma montanha de carvão de um cargueiro, que acaba de chegar ao porto da capital finlandesa. Mal desembarca na cidade, ele corre para o centro de refugiados local para requerer, sem sucesso, asilo político no país, para assim poder procurar pela irmã mais nova, de quem se perdeu na fuga de Aleppo. Em paralelo, conhecemos Wikström (Sakari Kuosmanen), vendedor que se desfaz de sua carga de camisas masculinas e do casamento de anos para abrir um restaurante nos subúrbios de Helsinki.
Os dois vêm a se encontrar no novo empreendimento de Wikström, que oferece emprego ao estrangeiro perseguido por militantes neonazistas. Os negócios não vão bem ? na tentativa de atrair mais clientes, reinventam o local como um restaurante japonês, que serve arenque no lugar do salmão quando a iguaria nobre acaba, entre outras barbaridades ?, mas Wikström e seus funcionários esquisitões, de comportamento robótico e que menosprezam as mínimas regras de higiene de uma cozinha, se unem em torno da ideia de proteção mútua.
?The other side of hope? fala sobre utopias humanitárias do ponto de vista de gente comum, num esforço de convivência pacífica entre pessoas de diferentes grupos. O humor quase cartunesto, os diálogos impagáveis e as situações absurdos da trama renderam palmas sinceras ao filme de Kaurismaki.
? Não pretendo mudar a cabeça das pessoas com o meu filme. O que eu quero é mudar o mundo ? brincou o veterano realizador de 59 anos, autor de títulos como ?O homem sem passado? (2002) e ?O porto? (2011), durante a coletiva de imprensa que se seguiu à projeção. ? Basta olhar para o que aconteceu no último século, quando foram cometidos alguns dos maiores crimes contra a humanidade. A democracia está falindo agora porque não somos bons. Não quero ver esse tipo de atitude (preconceituosa) em meus compatriotas. Todos nós somos iguais, então, é melhor tomar cuidado, porque amanhã pode ser você o discriminado.
Outro alerta importante veio embutido em ?Beuys?, documentário de Andres Veiel sobre Joseph Beuys (1921-1986), o mais polêmico e controvertido artista plástico alemão do pós-Segunda Guerra. O legado intelectual do pintor, escultor, artista performático, intelectual de esquerda, de orientação pacifista e cofundador do Partico Verde na Alemanha, é recuperado em rico material de arquivo, entrevistas para a TV, vídeos caseiros e entrevistas com críticos de arte, curadores e ex-pupilos.
Beuys ficou conhecido por trabalhos e performances extravagantes (o filme recupera o registro de ?How to explain a picture to a dead hare?, por exemplo, no qual o artista se exibe dentro de um cubículo envidraçado carregando o corpo de uma lebre), mas também por seu ativismo político. Admirado por muitos e ridicularizado por alguns, Beuys também provocou polêmica ao condenar a política econômica que, nos anos 1980, transformou o dinheiro em mercadoria de troca, mais valorizada do que a educação e as artes.
? O filme nasceu da necessidade de refletirmos sobre o nosso tempo. Pensamos muito sobre o que ainda poderia ser relevante no debate que ele causou nas artes e na sociedade, décadas atrás ? explicou Veiel. ? Ele identificou grandes problemas econômicos ainda nos anos 1970 e 1980, porque parou para pensar em como o dinheiro circulava no mundo, como acabou controlando tudo e se tornando o responsável pelo colapso da democracia como a entendemos. As pessoas riam das ideias dele, na época.