Cotidiano

Bertolucci classifica polêmica com cena de 'O último tango em Paris' como um 'mal-entendido ridículo'

RIO ? No último fim de semana, uma entrevista recém-revelada de Bernardo Bertolucci, diretor de “O último tango em Paris”, causou polêmica em Hollywood. Na conversa, de 2013, o cineasta italiano admite que Maria Schneider não sabia ? e, portanto, nunca consentiu ? sobre o uso da manteiga na polêmica cena de sexo anal com Marlon Brando.

A confissão fez com que muitos resgatassem uma entrevista concedida por Schneider ao jornal britânico “The Daily Mail”. Nela, a atriz disse que a cena da manteiga não estava no roteiro e que teria sido uma ideia de Brando, durante a filmagem. A francesa também afirmou ter se arrependido de fazer o filme.

“Eles me enganaram. Eu me senti humilhada e, para ser honesta, um pouco estuprada, tanto por Marlon, quanto por Bertolucci. Essa cena não estava prevista. As lágrimas que se veem no filme são verdadeiras”, disse. A soma dos fatores fez com que veículos jornalísticos de todo o mundo noticiassem o caso como uma confissão de que Schneider teria sido vítima de estupro não consensual.

O ressurgimento da polêmica fez com que Bertolucci soltasse uma nota nesta segunda-feira, esclarecendo que a atriz não sabia apenas do uso da manteiga como lubrificante, mas que a cena em si estava prevista.

“Eu gostaria de, pela última vez, esclarecer um mal-entendido ridículo que continua a gerar notícias sobre ‘O último tango em Paris’ por todo o mundo. Há muitos anos atrás, na Cinematheque Francaise, alguém me perguntou sobre a famosa cena da manteiga”, contou o cineasta.

“Eu especifiquei, mas talvez não tenha sido claro, que decidi, ao lado de Marlon Brando, não informar Maria que nós usaríamos manteiga. Nós queríamos captar sua reação espontânea àquele uso impróprio. É aí que reside o mal-entendido”, continuou. “Alguém pensou – e pensa – que Maria não tinha sido informada sobre a violência que ela sofreria. Isso é falso! Maria sabia porque ela tinha lido o roteiro, onde a cena era descrita. A única novidade era a ideia da manteiga”.

“E aquilo, como fiquei sabendo muitos anos depois, ofendeu Maria. Não a violência a que ela está sujeita na cena, que foi descrita no roteiro”, concluiu Bertolucci.

O diretor falou sobre a reação de Schneider na entrevista à Cinematheque Francaise, concedida dois anos depois da morte da atriz. Bertolucci admite que cena da manteiga em ‘Último tango em Paris’ não foi consensual

“Após o filme nós não nos vimos mais, porque ela me odiava”, disse o diretor. “A sequência da manteiga foi uma ideia que tive com Marlon na manhã antes da filmagem. Mas eu me portei de uma forma horrível com Maria, pois não contei a ela o que aconteceria.”

Na época das gravações, Schneider tinha 19 anos e Brando, 48. Bertolucci, hoje com 76 anos, defende sua atitude alegando que desejava tirar de Schneider uma reação mais realista na cena.

“Eu queria a reação dela como uma garota, não como uma atriz. Eu queria que ela reagiasse, como ela fez, sendo humilhada. E acho que ela me odiou, e a Marlon também, pois não contamos a ela o detalhe da manteiga usada como lubrificante”.

Schneider morreu de câncer, em 2011, aos 58 anos. A atriz francesa tinha apenas alguns papeis pequenos na carreira quando foi escolhida por Bertolucci para viver a jovem francesa que entrava numa relação obsessiva com um americano 30 anos mais velho, vivido por Marlon Brando.

A atriz continuou atuando até 2008, mas ficou marcada para sempre pela cena. Após “O último tango em Paris”, teve mais um filme aclamado pela crítica em seu currículo, “O passageiro: profissão repórter” (1975), de Michelangelo Antonioni, ao lado de Jack Nicholson. Depois, conseguiu apenas papéis secundários.

Logo começou a entrar e sair de hospitais, devido a depressão e dependência de heroína. Abandonou o cinema por um tempo, para tentar carreira na música, sua antiga paixão ? entre outros trabalhos, chegou a lançar um disco dedicado ao cantor italiano Lucio Battisti. Seu filme mais recente foi “Cliente”, de 2008.

“O último tango em Paris”, de 1972, ficou proibido pela censura da ditadura militar no Brasil por mais de uma década.