Opinião

Coluna Direito da Família: o cerne da autonomia

Ser livre estaria no livre arbítrio? Na possibilidade de escolha entre inúmeras opções, maximizadas na pós modernidade, ou na autodeterminação existencial? Neste último sentido, a liberdade estaria próxima da noção de autonomia, o que vem sendo acolhido nas decisões legislativas mais recentes (como a capacidade das pessoas com deficiência) que garantem ampliação de autonomia às pessoas vulneráveis, além de instrumentos para o exercício de sua liberdade de escolha.

Isso ficou mais latente nas relações familiares das últimas décadas, quando a estrutura relacional, outrora monopolizada pelo patriarca, foi ressignificada para ganhar cores mais democráticas. Às minorias foi garantido espaço de fala, para o efetivo exercício de autodeterminação existencial.

Assim, com a quebra de inúmeros paradigmas, o tecido social conheceu novas tramas. Contudo, as mudanças legislativas, que difundem direitos, não são prontamente atendidas pela sociedade, afinal, os direitos não são infinitos. Na medida em que se garante algo a alguém, outrem sofrerá limitações em sua esfera de garantias. Logo, as minorias, balizadas pela lei, não raro, encontram barreiras ao exercício de sua liberdade, em razão do “jus esperniandi” daqueles que se encontram na hegemonia dos direitos.

Para isso, restam instrumentos legais pela efetivação de direitos, como a tão falada Lei Maria da Penha.Tal legislação, do início dos anos 2000, possibilitou a proteção de milhares de mulheres em situação de violência doméstica. Não é apenas uma lei de proteção de gênero, mas de redução de violência nas relações doméstica, acobertadas pelo sigilo e pela confiança tantas vezes a partir do medo.

Esse, inclusive, é o entendimento assentado pelos tribunais para aplicação da referida lei às minorias, como transgêneros, cisgêneros e travestis. Isso porque, tal proteção não se vincula a aspectos puramente biológicos, mas em razão da vulnerabilidade relacional.

Nesse ínterim, fica clara a busca da legislação pela autodeterminação existencial, na liberdade de ser quem quiser, assim como se vislumbra na liberdade da formação familiar ou ainda da extinção de relações conjugais ou de convivência, sem a necessidade de grandes explicações.

Os laços familiares, por tanto tempo rígidos, como pouco espaço à transformação, adquiriram flexibilidade, na medida em que as minorias foram incluidas nos processos de escolha e na garantia de direitos. A dignidade já não é mais atrelada à posição social, estando, nesse momento, vinculada ao reconhecimento da humanidade em cada indivíduo e na gama de direitos que lhe são inerentes.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas