Opinião

Coluna Direito da Família

O clichê do diferente

Embora antigo, o conceito de família ganha novos contornos diariamente. De relações consanguíneas e patrimoniais, vem sendo entendida como centro de dignidade e afeto. Afinal, o ser forma sua subjetividade a partir da intersubjetividade, ou seja, é no tecido social que o indivíduo se perfaz e reconhece.

Ainda que a formação social se desenvolva em busca da unidade, é na singularidade (e especialmente em seu reconhecimento) que se assenta a dignidade. Contudo, o padrão, especialmente legal, está fundamentado no chamado “homem médio”, que na realidade externa a moral dos grupamentos sociais dominantes, não em número, mas em poder.

Daí porque a dificuldade no reconhecimento, especialmente legal, de determinados grupos que estejam em dissonância com o padrão pré-determinado. As mulheres levaram séculos para ganharem algum tipo de equiparação ao gênero masculino, especialmente no que diz respeito aos direitos no âmbito familiar. A construção ideológica de papéis pré-concebidos e naturais emperram à total abertura da porta da igualdade.

As relações familiares que estão legitimadas no olhar do dia-a-dia baseiam-se na “família padrão margarina”, de felicidade pelo desempenho do papel dentro da estrutura doméstica. Cada um é apenas mais um tijolo na parede. Mas, parede do que? Quando o certo seria a criação de pontes, de conexão e reconhecimento legítimos, fundamentados na ética da diversidade.

Felizmente, a dialética sócio-histórica transforma contextos que acabam por pressionar o padrão hegemônico. Desse modo, o Direito abre espaço para o amparo de “famílias diferentes”, cujo formato e funcionamento são alvo de críticas sociais e, por que não, discursos de ódio.

Em nome do fundamento constitucional dignidade, a família homoafetiva, por exemplo, encontrou respaldo pelos tribunais para reconhecimento das uniões estáveis e vedação à discriminação na formalização do casamento, além do reconhecimento aos direitos de filiação, geralmente amparados pela socioafetividade, e de direitos sucessórios. Afogadas em críticas, essas famílias buscam um bolsão de ar para que possam emergir e alcançar seu objetivo final: traduzir o amor. Pois esse deve ser o norte de qualquer família, qualquer que seja seu formato.

No entanto, é quase como nadar contra a correnteza ao se falar de reconhecimento do outro, daquele diverso do meu umbigo, dentro da sociedade congelada na frente de smartphone, apenas consumindo comida congelada e conceitos mastigados pela ética da concorrência, Este é o contexto que externa a conduta inversa ao amor. O ódio? Não, a indiferença pelo diferente.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas