O esquema de corrupção da Odebrecht revelado pelas delações de ex-executivos da empreiteira mostram que ela desviava dinheiro de obras públicas para distribuir a políticos de diversas formas (doação oficial, caixa 2, pagamentos no exterior…) para beneficiar a empresa (em decisões dos governos, na aprovação de leis e em obras públicas, entre outros).
Eram três os pontos em comum no caminho para desviar o dinheiro público:
Parte do dinheiro de contratos com o poder público era desviado para o Setor de Operações Estruturadas, mais conhecido como "departamento de propina";
O dinheiro era distribuído a políticos de acordo com os pedidos deles e os interesses da empresa;
A empreiteira era beneficiada pelo poder público (nem sempre o ganho era "concreto", como no caso de doações a campanhas).
A Odebrecht doava a políticos dos mais variados partidos. Essa disposição para "ajudar" a todos foi admitida pelo própio Emilio Odebrecht, pai de Marcelo Odebrecht, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, responsável por julgar casos da Lava Jato que não envolvem pessoas com foro privilegiado, em março. "Existia uma regra: ou não contribuía para ninguém, ou contribuía para todos".
Ainda não é possível fazer o caminho do dinheiro de todos os esquemas de corrupção revelados com base nas delações dos ex-executivos da empreiteira e nos pedidos de inquérito da Procuradoria-Geral da República, tornados públicos na terça-feira (11) pelo ministro Luiz Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
Às vezes se sabe quanto foi distribuído a cada político e porquê, mas não de onde saiu esse dinheiro. Marcelo Odebrecht afirmou em depoimento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, que pôs R$ 300 milhões à disposição do PT entre 2008 e 2014 – e doou metade desse valor à campanha de reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff.
Em outros casos, se sabe de qual obra foi desviado o dinheiro e para quem, mas não quanto e/ou como o político o recebeu. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) organizou um esquema para fraudar as licitações da Cidade Administrativa de Minas Gerais, por exemplo, com a formação de um cartel de empreiteiras para obter propina com as obras quando era governador, segundo delatores. Mas não é dito quanto e como ele recebeu o dinheiro.
Desvio de dinheiro de obras públicas
Em São Paulo, o diretor da Dersa propôs a um grupo de grandes e médias empresas um “acordo de mercado” em 2008 para desviar 5% do contrato de obras viárias em São Paulo para pagar propina a diversos políticos, entre eles Gilberto Kassab (PSD), atual ministro das Comunicações de Temer, ex-ministro das Cidades de Dilma e ex-prefeito de São Paulo. A Odebrecht, que liderava o consórcio de empresas, aceitou o negócio, segundo delatores, mas não há detalhes de quais são as obras, do valor dos contratos fraudados e de outros políticos que receberam o dinheiro, por enquanto.
Eliseu Padilha (PMDB), atual ministro-chefe da Casa Civil de Temer e ex-ministro de Dilma (Secretaria de Aviação Civil) e de FHC (Transportes), pediu entre o fim de 2008 e o início de 2009 o pagamento de 1% do contrato de construção de uma linha de trem entre Novo Hamburgo e São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. O valor do contrato era de R$ 324 milhões e o objetivo era que o político interferisse na licitação.
Há relato de desvio nas usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau para diversos políticos. Em Santo Antônio, a Odebrecht pagou R$ 2 milhões ao senador Ivo Cassol (PP-RO), então governador de Rondônia, pelo "favorecimento nos procedimentos administrativos" referentes à execução das obras da usina. Houve também propina ao senador Valdir Raupp (PMDB-RO), ex-presidente nacional do PMDB, e de novo a Aécio. Em Jirau, o senador Edison Lobão (PMDB-PA), ex-ministro de Minas e Energia do governo Dilma, é suspeito de ter recebido R$ 5,5 milhões. No documento em que autoriza as investigações não há detalhes de como a propina foi paga aos políticos.
Doação a campanhas (declarada, caixa 2 ou ambos)
O pagamento podia ser declarado à Justiça Eleitoral (doação oficial), por caixa 2 (dinheiro não declarado) ou ambos, como é o caso do governador Tião Viana (PT), do Acre, segundo os delatores Hilberto Mascarenhas e Marcelo Odebrecht: foram repassados R$ 2 milhões à campanha do governador em 2010, dos quais apenas R$ 500 mil como doação oficial. Neste caso, não há informação de onde saiu o dinheiro nem qual seria o ganho objetivo da empreiteira.
O dinheiro também podia ser repassado a um partido político: em 2014, a Odebrecht deu R$ 1,2 milhão ao PMDB, via doação oficial ao partido, dos quais ao menos R$ 800 mil foram para a campanha de Renan Filho (PMDB), filho do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), ao governo de Alagoas. Neste caso, a doação tinha um objetivo: beneficiar a Braskem S/A, empresa controlada pelo grupo Odebrecht, em uma Medida Provisória que poderia impactar suas operações no Nordeste.
Uma forma de a empresa pagar caixa 2 era no exterior: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), recebeu mais de R$ 10 milhões da Odebrecht para as suas campanhas ao governo do estado em 2010 (R$ 2 milhões) e 2014 (R$ 8,3 milhões). Segundo delatores, parte dos repasses foi feito diretamente ao cunhado de Alckmin, o empresário Adhemar Cesar Ribeiro, que é irmão da primeira-dama Lu Alckmin. Também neste caso, não há informação de onde saiu o dinheiro nem qual seria o ganho objetivo da empreiteira.
Para liberar pagamentos, a empreiteira usava codinomes e apelidos: Viana era o "menino da selva", Renan Calheiros, o "Justiça", e Alckmin, o "Santo". No caso dos pagamentos no exterior, o sistema era sofisticado e tinha "um alto grau de profissionalismo", segundo o MP suíço, com o pagamento de propina feito em etapas para disfarçar a origem dos recursos e os beneficiários.
Propina em troca de favores políticos
Há autorizações de inquéritos em que fica claro o pagamento de propina a políticos para favorecer a empresa, em diversas frentes: ganhar obras públicas, ser beneficiada em decisões dos governos (como a edição de Medidas Provisórias ou a mudança de regras para concessões públicas, por exemplo) e obter vantagens na aprovação de leis no Congresso, por exemplo.
Eliseu Padilha recebeu um pagamento de R$ 4 milhões da Odebrecht a pedido de Moreira Franco (PMDB), atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Temer, ex-ministro da Secretaria da Aviação Civil de Dilma e ex-governador do Rio de Janeiro, pois a empreiteira queria garantir cláusulas que aumentariam as chances de a empresa vencer a segunda rodada de concessões de aeroportos. A Odebrecht venceu o leilão do Aeroporto Internacional do Galeão com um lance de R$ 19 bilhões.
O atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT-MG), recebeu R$ 13,5 milhões para defender interesses da Odebrecht enquanto era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, no governo Dilma, segundo delatores.
No Rio Grande do Norte, a Odebrecht Ambiental desejava desenvolver PPP's (Parcerias Público-Privadas) de saneamento básico, segundo delatores, e por isso a Odebrecht doou R$ 350 mil ao governador, Robinson Faria (PSD), e à prefeita de Mossoró, Rosalba Ciarlini (PP), e R$ 100 mil ao deputado Fábio Faria (PSD) na campanha de 2010 "para eventual favorecimento em projetos relacionados a saneamento básico". Na época, Rosalba foi eleita governadora e Robinson, vice-governador.
Para beneficiar a empresa no Congresso, são vários os exemplos. O atual presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), recebeu R$ 2 milhões para facilitar a conversão de Medidas Provisórias em lei. O senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder de governo de FHC, Lula, Dilma e atualmente de Temer, é investigado em 1 dos 5 inquéritos por suspeita de receber R$ 4 milhões por ter intermediado a aprovação de uma resolução no Senado que limitava a "Guerra dos Portos" – o que beneficiou a Braskem S/A. Em outro, o MP diz que Jucá recebeu R$ 10 milhões para proteger a Odebrecht de ataques do governo federal relacionados à usina de Santo Antônio.