De todas as coisas que aprendi com minha avó, o que não podia ser diferente já que gente velha sabe das coisas, se tem algo que me deixava sempre de queixo caído era sua capacidade de cultivar pequenos e gratuitos prazeres na vida, coisas simples e quase sem importância, mas que acabaram atravessando gerações e, de quebra, servindo como sólida plataforma para a saudável educação dos filhos.
Todos os dias de verão dona Augusta, isso lá pelos seus 74 anos, tinha uma rotina especial no final da tarde, esta reservada para estar embaixo do que servia de teto para a garagem, mas que na verdade era uma parreira fonte de deliciosas uvas e sombra, um matagal exótico acima de nossas cabeças, o mesmo que se transformava em um cenário tenebroso no inverno. Querendo visitar dona Augusta nos meses quentes, horário certo para encontrá-la era às cinco da tarde, momento em que estaria sentada em sua cadeirinha de praia debaixo do parreiral em uma – acredite se quiser… – movimentada rua da cidade. "Um pedaço da minha infância", dizia ela nos quarenta, talvez cinquenta minutos em que permanecia parada sem fazer coisa alguma que não fosse permitir à janela de sua alma – seus olhos esbranquicentos – contemplar o quadro verde que trouxe paz e harmonia ao seu coração por quase oito décadas de sua vida. Ali embaixo nada a afetava. Mau humor de filhos, fofoca de cunhadas, tudo parecia ser rebatido pelo parreiral, um "refúgio do mundo louco” cultivado diariamente por minha avó, e não foi à toa que perto dele foi encontrada desfalecida dias antes de dar adeus à existência. Teria sido a parreira sua última visão terrestre?
Seguindo seus passos, que acredito terem dado bons frutos, tento manter viva a lembrança daquilo que por tantos anos me hipnotizava, a natureza que se desdobrava debaixo da minha janela deixando um gigante ponto de interrogação na minha mente esclarecido somente no final da adolescência nas aulas de biologia. Apesar de meus esforços, porém, o máximo que consegui de pedaço de natureza nesse cubículo que engenheiros apelidaram de apartamento foi uma horta de 70 centímetros de comprimento por 30 de largura na sacada da minha sala. Contando com uma pequena proteção para dias de chuva e sol intenso, nada que se compare a uma bela e eficaz parreira, não tem início de manhã e final de tarde que eu não vá dar um "bom dia" e uma "boa tarde" às plantinhas que perfumam a sala e aromatizam os alimentos. E tem mais. Basta pedir manjericão e sálvia que lá vem meus filhos correndo com as folhinhas na mão. Minha horta é meu pedaço do céu, e no metro que separa minha moradia da calçada da rua plantei muito mais que sálvia, manjerona, alecrim e manjericão: plantei alegria, plantei laços afetivos. A cumplicidade nos anos mais doces e tenros de meus filhos que mal sabendo falar, diferenciavam salsa de hortelã, são momentos compartilhados em família jamais apagados de nossas memórias.
Pouco provável que eu acabe meus dias sentada na sacada ao lado do meu pé de alecrim – Deus me livre morrer trancada nesse cubículo! -, mas é possível que folhas de manjericão e sálvia prossigam povoando as infâncias de meus netos em um espaço maior do que o meu (assim espero!), e que dele sejam levados para a cozinha o tempero dos bons momentos de nossa vida, aqueles que fazem dela algo memorável, simples e barato, lembranças eternas que passam de boca em boca sem precisar investir em chocolates, brinquedos mirabolantes e nas caríssimas emoções de uma Disneylândia