A informação consta no relatório sigiloso da Polícia Federal sobre um esquema de repasse de bilhetes para a cúpula da facção criminosa.
De acordo com a PF, as constantes trocas de plantão do policial penal Docimar Pinheiro para a ala de Marcinho VP foram feitas entre 27 de março de 2019 e 7 de maio do ano passado. Nesse período, o agente já era flagrado por câmeras de segurança do presídio federal de Catanduvas (PR) enquanto fazia entregas de bilhetes aos internos — a investigação anexou mais de 30 imagens.
A PF deflagrou, no dia 15 deste mês, uma operação para cumprir os mandados de prisão preventiva decretados pela Justiça Federal dos 24 envolvidos no esquema, suspeitos de participação em crimes como corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e associação para o tráfico.
Para a PF, Marcinho VP era um dos principais destinatários dos bilhetes do CV enviados ao presídio federal de Catanduvas (PR). A investigação inclusive vê uma relação entre as ações do policial penal Docimar Pinheiro e os flagrantes dos recados encaminhados à cúpula da facção.
Imagens sigilosas de um banho de sol no pátio da penitenciária em 11 de abril deste ano mostram o momento em que um bilhete era lido para Marcinho VP, segundo a PF —o episódio ocorreu um dia depois de um plantão de Docimar na unidade prisional.
‘Contatos visuais’ à espera de resposta de Marcinho VP, diz PF
No registro, é possível ver o interno Cleverson dos Santos, o Palmeirense, fazendo “diversos contatos visuais, acreditando-se que ele estaria esperando alguma resposta” do chefão do CV, aponta o inquérito.
A reportagem obteve a sequência das imagens, que mostram o momento em que Palmeirense retira embrulhos com bilhetes escondidos no seu uniforme. Sentado no chão, lê o recado para Marcinho VP, próximo a Claudio José de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, e João Paulo Firmiano Mendes da Silva, o Russão, que também fazem parte da cúpula da facção criminosa.
Os registros ainda mostram Palmeirense colocando o bilhete em um copo de água. Em seguida, o conteúdo do copo foi jogado em um ralo aberto para eliminar a mensagem, diz a investigação.
A advogada Luceia Aparecida Alcântara de Macedo é apontada pela PF como a responsável pela circulação dos bilhetes na unidade prisional e pelos pagamentos feitos a integrantes da facção a mando dos chefões detidos na penitenciária federal de Catanduvas (PR). Na segunda-feira (21), a Justiça Federal autorizou a transferência dela de uma cela comum para uma sala de Estado Maior, prerrogativa para advogados.
A investigação ainda identificou uma movimentação bancária de mais de R$ 5 milhões feita pela defensora em menos de dois anos. A PF também acusa Luceia de participação em crime de lavagem de dinheiro para ocultar a origem ilícita do seu patrimônio com a aquisição de veículos, imóveis e até de seis cavalos de corrida no Rio de Janeiro.
Marcela Vasconcelos Souza Lima e Leandro Pinheiro de Oliveira são apontados como “gerentes operacionais” do esquema. Segundo a investigação, eles são os responsáveis pela verificação do cumprimento nas favelas do Rio das ordens dadas por Fabiano Atanásio da Silva, o FB, e outros chefões da facção detidos no presídio federal de Catanduvas (PR).
Tiros e morte em favela do Rio
Em uma conversa interceptada pela Justiça entre Marcela e Leandro, a PF teve acesso a um áudio no qual um homem apontado pela investigação como gerente de um ponto de venda de drogas diz ter dado tiros.
O homem narra o que parece ter sido um confronto que teria causado a morte de um adolescente envolvido com a facção.
É… Os caras passaram a parte do morro. Rapaziada tava por aqui pelas torres, entendeu? Tranquilo. Graças a Deus. Só um menor mesmo [morreu no confronto]. Mas aí, dei tiro pra tia ver lá. Vamos ver, né?”
Trecho de conversa interceptada pela Justiça
O áudio foi reproduzido por Leandro para Marcela e foi possível ouvi-lo “em som ambiente”, segundo descreve a PF no inquérito, que não revela a data em que ocorreu a conversa.
O que dizem os investigados
A advogada Paloma Gurgel, que representa Marcinho VP, nega as acusações. “Em nenhum momento foi demonstrado pelas provas anexas nos autos que ele era o destinatário ou emitente dos bilhetes”, disse.
Thiago Minagé, que representa a advogada Luceia Alcântara de Macedo, pediu a conversão de prisão preventiva em domiciliar, já que ela tem uma filha de 4 anos. “São dois dispositivos legais sendo violados”, disse.
Questionado sobre o teor das acusações, ele não se manifestou, argumentando não ter tido acesso ao inquérito. Foi o mesmo posicionamento da defesa do traficante Fabiano Atanásio da Silva, o FB.
Procurada, a defesa do policial penal Docimar Pinheiro não respondeu as mensagens da reportagem. Os representantes de Leandro Pinheiro de Oliveira e Marcela Souza Lima não foram localizados.
Reportagem: Herculano Barreto Filho/ UOL, no Rio