Cascavel – Sem hora para acabar. Esse foi o diagnóstico de líderes sindicais ao falarem com a imprensa ontem à tarde, após 48 horas do início de mais uma rebelião histórica e sangrenta na PEC (Penitenciária Estadual de Cascavel) que começou logo após as 15h de quinta-feira.
Ontem pela manhã, após horas de conversa entre detentos e um negociador da Polícia Militar, cogitou-se que o motim estava perto do fim. Presos que estavam no telhado da penitenciária começaram a descer, mas logo tudo voltou à estaca zero.
Segundo o advogado do Sindarspen (Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná), Jairo Ferreira Filho, como as conversas não avançaram, tudo se desenhava para mais um dia e uma noite de motim na maior unidade prisional de Cascavel. “Dificilmente a rebelião acaba hoje [ontem]”, afirmou.
Fato! Faltavam dez minutos para as 17h quando foi anunciada a suspensão das negociações.
Jairo, que esteve no interior da PEC, relatou que as proporções da rebelião em curso já podem ser comparadas à destruição registrada no motim de agosto de 2014. Ao menos quanto à destruição. Na ocasião, 80% da estrutura foi destruída. Cinco presos foram mortos decapitados e 25 ficaram feridos. “Ainda não tem como precisar o número de mortes, a princípio se fala em dois, mas esse será um saldo a ser observado só após o término”, destacou.
Destruição em massa
Do lado de fora da cadeia, os sons que indicavam a destruição da PEC eram intercalados por supostos períodos de calmaria. Quem visitou a estrutura disse que apenas as paredes externas continuavam em pé.
A imprensa foi mantida longe de tudo. Diferente da rebelião de 2014, quando os profissionais da comunicação puderam ficar na frente da estrutura, desta vez todos foram isolados na estrada que dá acesso à penitenciária, a pelo menos mil metros da unidade. A justificativa da polícia era manter a integridade física e não colocar ninguém em risco.
RETRANCA
Presos ostentam armas, corpos e bandeiras de facções
Ontem a estimativa era de que cerca de 700 presos estão rebelados. Eles se revezavam no telhado, alguns com bandeiras de facções criminosas, outros empunhando armas artesanais e havia ainda os que ostentavam pelo mais um corpo de detento decapitado. Na quinta-feira, outro corpo foi exposto.
Segundo a presidente do Sindarspen, Petruska Niclevisk Sviercoski, tudo começou no solário, quando um grupo de presos viu apenas um agente penitenciário. Eles fizeram uma pirâmide humana para subir no telhado e fizeram o agente refém, depois renderam outros dois. Um deles foi resgatado pelo Pelotão de Choque ainda na noite de quinta-feira, enquanto era agredido na cabeça e no rosto pelos detentos. Ele está hospitalizado. O agente de cadeia PSS foi identificado como Sérgio Duarte Neto.
Familiares também são mantidos a distância. Eles acompanham a tensão nas margens da BR-277, a cerca de mil metros da PEC. A queixa nos dois dias foi a falta de informação oficial.
Os únicos a falarem com frequência eram líderes e representantes sindicais e advogados. Assim, todas as pessoas que tinham acesso à penitenciária, viravam potenciais fornecedores da informação de como estava a situação dentro da cadeia.
No fim da tarde o comandante do 5º CRPM (Comando Regional da Polícia Militar), o tenente-coronel Washington Lee Abe, falou com a imprensa e com as famílias.
Lista de exigências inclui transferência
Segundo apurado pela reportagem, ao menos 200 homens entre policiais militares de operações especiais, como o Bope e o Choque, membros da SOE (Seção de Operações Especiais) composta por agentes penitenciários vindos de diversos cantos do Estado e policiais civis estão preparados para tomar a cadeia a qualquer momento, sobretudo depois que um acordo feito com os detentos durante a madrugada de ontem – indicando que eles entregariam o presídio pela manhã – não foi cumprido. Isso exigiu uma nova rodada de negociações que se estendeu durante o dia, mas não prosperou.
Dentre as exigências dos presos estão a transferência deles, a liberação das visitas das famílias em outras unidades prisionais que foram fechadas após o início do motim em Cascavel, além de melhores condições estruturais.
Quanto ao motivo da rebelião, a possibilidade de disputa entre facções criminosas rivais, apresentada pela própria Secretaria de Segurança Pública, caiu por terra ontem. As razões do motim seriam a falta de estrutura, as condições de higiene, e, a principal de todas, os possíveis excessos praticados pela SOE quando o grupo entra na penitenciária. “Recebemos diversas denúncias contra a SOE, mas quando são investigadas se percebe que nada há de errado, são apenas os procedimentos sendo cumpridos”, destacou o advogado Jairo Ferreira Filho.
Reféns de uma bomba-relógio
Para a presidente do Sindarspen, Petruska Niclevisk Sviercoski, há um déficit de quase 1,6 mil profissionais para atuarem em todo o Paraná. No momento em que a rebelião começou havia na unidade cerca de 25 agentes para cuidar de quase mil presos, uma média de 40 detentos por agente. O preconizado pelo Conselho Nacional de Segurança é de um agente para cada cinco presos. “Situações como esta são anunciadas. Somos feitos reféns todos os dias com a falta de agentes e pelas condições de trabalho. É uma verdadeira bomba-relógio”, denuncia.
Uma das reivindicações dos detentos para acabar com o motim é a transferência de presídio. Agora, com a destruição da unidade, isso terá de ocorrer invariavelmente. Ocorre que não há vagas no sistema prisional no Paraná e para onde levá-los ainda é uma incógnita.
Cerca de 300 presos já haviam sido transferidos, uma parte para a PIC (Penitenciária Industrial de Cascavel) e outra para a cadeia desativada da 15ª Subdivisão Policial. Não houve explicação sobre o critério para a transferência nem a divulgação do nome dos presos.
Um dos detentos transferidos disse ontem que havia ao menos cinco mortos dentro do presídio. Oficialmente, a polícia trabalha com dois mortos, ambos decapitados.
Líderes sindicais afirmaram no fim da tarde de ontem que os dois agentes reféns estavam bem. Ao contrário de quinta-feira, quando houve uma intensa movimentação de ambulâncias, ontem não houve atendimento médico.
Familiares foram avisados do motim
Às margens da BR-277, no acesso à Penitenciária Estadual de Cascavel, dezenas de familiares passaram a noite de quinta para sexta-feira e continuavam na noite passada. Durante todo o tempo, pediam informações sobre os presos.
Muitas mães e esposas de presos disseram que a rebelião já estava programada. Muitos deles teriam dito às famílias no último domingo que a “cadeia estava para ser virada”, gíria para indicar o motim.
Os parentes dos presos afirmaram que o que desencadeou a rebelião não foi uma disputa entre facções, mas devido à forma de atuação dos agentes, que estariam usando a força para “disciplinar” os presos. “Deixaram meu filho 20 dias no isolamento, sem visita, para que a gente não o visse machucado. Mesmo assim, no dia da visita ele ainda estava todo roxo e com os olhos enormes de tanto spray de pimenta que usaram nele”, denunciou uma mãe.
“Eles nem fazem nada e vão para o isolamento, apanham muito, usam muito spray na cara deles. Não precisava disso”, disse a esposa de um detento.
Comandante: “Quando pensamos que eles vão entregar, desistem”
No fim da tarde de ontem, pela primeira vez, o comandante do 5º CRPM (Comando Regional da Polícia Militar), o tenente-coronel Washington Lee Abe, falou com a imprensa e com os familiares. Ele disse que as negociações foram encerradas e serão retomadas nas primeiras horas deste sábado. “São 700 presos rebelados e 300 foram transferidos. O que confirmamos e que vimos é um morto e um ferido”.
Segundo o coronel, durante mais de 27 horas foi tentado um acordo. “O problema é que os presos rebelados aceitam e quando pensamos que eles vão entregar a penitenciária, eles desistem e voltam atrás”.
Ele ressaltou que a rendição dos presos já foi ordenada no início da noite de quinta-feira (9) pelo PCC (Primeiro Comando da Capital). “A informação que temos é que o Comando já ordenou várias vezes a entrega da cadeia, o que não aconteceu. Pelo que percebemos há uma briga entre eles e os detentos de Cascavel estão anunciando uma espécie de independência da facção”. Em relação à destruição da cadeia, o coronel citou que pelo menos 70% da unidade prisional está comprometida.
Conforme o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Cascavel, Charles Duvoisin, as negociações não avançaram porque há vários interesses e várias pessoas com pensamentos divergentes. “Dentre as reivindicações apresentadas ainda na quinta-feira estão o afastamento de diretores e alguns agentes, nominados pelos presos; mais atenção aos familiares; melhoria na comida, ou seja, o que eles pedem sempre”.
Duvoisin esclareceu que os negociadores disseram aos presos rebelados que todos os servidores, sejam agentes ou diretores, passarão por um processo de investigação, mas os presos não aceitaram. “Não se pode simplesmente afastar todos, eles precisam se defender das acusações”.
Quanto à liderança da rebelião, o presidente da OAB cita que tudo foi orquestrado por integrantes que estão fora de Cascavel. “Mas até mesmo essa conversa entre os presos que estão na PEC quanto os faccionados de outras partes está complicada. Por conta disso, há dificuldade para intermediar a rendição dos detentos”.