Ao assistir a um jogo de futebol com uma criança de cinco anos, fui questionado sobre a relevância da figura do árbitro uma vez que os jogadores, adultos, deveriam saber resolver o que era certo e errado.
Enquanto eu olhava para ele desejava mentalmente que, de fato, a simplicidade, a pureza e a coerência de seu pensamento se aplicassem não só àquela situação esportiva, como também a diversas outras nas relações sociais do dia a dia. Respirarei fundo e tentei explicar, de forma resumida, a complexa rede de interesses e escolhas formadas por indivíduos que satisfazem suas necessidades e interesses a bel prazer, em detrimento do bem-estar coletivo.
Ainda tomado pela indagação infantil, refleti sobre todo o conteúdo acadêmico que acumulei sobre esse tema e pensei em como Kohlberg descreve o processo de aprendizagem do certo e do errado desde a infância. Na verdade, lamentei como é uma pena que nem todo adulto chega ao estágio de desenvolvimento moral no qual a internalização de valores torna desnecessário o controle externo e a necessidade de punição ou a desaprovação do olhar do outro.
Sejamos realistas. Temos deslizes. Fato! E o comportamento correto absoluto é inexistente. Entretanto, é enorme a proporção no volume de ações individuais e coletivas vistas ultimamente que desconsideram os acordos básicos da boa convivência social, visando apenas à obtenção de benefícios pessoais imediatos ou futuros.
É fácil colhermos exemplos de condutas ilícitas motivadas por um viés individualista não apenas no universo do futebol, mas também nos ambientes social e corporativo. São exemplos que desafiam as boas práticas de convivência, do bem comum, e exaltam o lado cruel do individualismo.
Impressiona a dificuldade de compreensão sobre como um acordo coletivo não deve ser sobreposto de maneira interessada, autoritária ou desrespeitosa. Que contratos, explícitos ou não, que regem correto para um grupo precisam ser respeitados porque assim deve ser. Sem mais.
Talvez minha tese seja provada com o fato de que atos de fair play viram notícias em vez de serem regra. Que seus autores se transformam em “heróis sem capa” acusando falhas de arbitragem que os prejudicam ou até mesmo devolvendo bens de valor que não lhe pertenciam.
Parafraseando um famoso comentarista esportivo, a regra é clara e a diretriz também. Nela, deve-se definir o que pode e o que não pode e, na dúvida, o espaço para consulta faz-se necessário, porém seu caminho deve ser previamente conhecido bem como suas fontes de referência formais. Nada pior do que querer fazer a coisa certa e não haver um caminho que o direcione para tal.
É triste ainda referenciarmos a famosa “mão de Deus” de Maradona, que até hoje é vista como um ato de genialidade por muitos e que em nada difere de fraudes corporativas que resultam de bônus milionários comemorados como atos de brilhantismo intelectual. Ah, a lógica infantil pudesse ser aplicada e os jogadores pudessem jogar sem os árbitros, se as empresas não precisassem de compliance e se a sociedade não precisasse de juízes…
Antonio Carlos Hencsey é pai de três filhos, psicólogo e diretor da consultoria ICTS Protiviti
Janela:
Fui questionado sobre a relevância da figura do árbitro uma vez que os jogadores, adultos, deveriam saber resolver o que era certo e errado.