“JULGAMENTO DO GOLPE”

Defesa de Gariner afirma que delação de Cid é “injurídica” e denúncia da PGR é “inepta” 

Foto: STF
Foto: STF

Brasília - A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), presidida pelo ministro Cristiano Zanin, abriu ontem (2) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus na Ação Penal 2668, que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O primeiro dia foi marcado pela leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes e pela sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Do outro lado, a forte contraofensiva das defesas concentrou argumentos em questionar a legalidade do processo e, principalmente, a validade e credibilidade da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, além de “erros” de Gonet.

Em sua fala, o procurador-geral Paulo Gonet, cuja atuação neste julgamento é vista como crucial e alinhada a Moraes, detalhou o processo que, segundo ele, não se limitou a um único dia ou ato, mas sim a uma tentativa de golpe que durou aproximadamente um ano e meio. Gonet enfatizou que o plano golpista não se caracterizou por eventos isolados, mas por um “processo prolongado e articulado”, com cada núcleo envolvido desempenhando um papel específico.

A acusação sustenta que houve uma tentativa de mobilizar a população contra os poderes e buscar uma intervenção militar, com a Marinha demonstrando receptividade. Bolsonaro é apontado como líder de uma suposta organização criminosa que visava impedir a alternância de poder, utilizando a estrutura estatal para disseminar desinformação e influenciar militares.

Mais contundente entre os defensores, o advogado Demóstenes Torres, que atua na defesa de Almir Garnier, argumentou que não há provas materiais que atestem o apoio direto ou estratégico de Garnier à tentativa de golpe ou de “apoio” a Jair Bolsonaro. A acusação teria base apenas em uma narrativa genérica, sem demonstrar o nexo causal entre o comportamento dele e os crimes imputados. Torres afirma que a denúncia deve ser considerada “inepta” por não descrever com clareza como exatamente Garnier contribuiu para os atos de 8 de janeiro, faltando um “liame subjetivo” com base probatória clara.

Congruência ferida

Torres criticou a PGR por apresentar dois elementos novos nas alegações finais que não constavam na denúncia original, ferindo o princípio da congruência, conforme o artigo 384 do Código de Processo Penal. Os fatos são o desfile da Marinha na Praça dos Três Poderes, em agosto de 2021, interpretado como um ato simbólico de apoio ao golpe; e a ausência de Garnier na cerimônia de passagem de comando das Forças Armadas, em 2023.

O advogado sustentou que “não é possível que o réu se defenda de algo que não lhe foi imputado” e que, nesse caso, caberia ao STF desconsiderar esses pontos ou exigir o aditamento da denúncia.

Delação de Cid

As defesas dos oito réus no chamado “núcleo crucial” – que inclui, além de Bolsonaro e Cid, Alexandre Ramagem, Almir Garnier Santos, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto – aproveitaram a primeira sessão para criticar veementemente a condução do processo e a base probatória da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Uma das principais frentes de ataque foi a nulidade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid. As defesas argumentaram a falta de voluntariedade do delator, alegando coação e direcionamento da narrativa pela Polícia Federal e pelo próprio ministro relator Alexandre de Moraes.

Demóstenes Torres classificou a colaboração premiada de Cid como “injurídica” e cheia de vícios, lembrando que o próprio PGR havia considerado o delator “omisso, contraditório, resistente ao cumprimento” e “faltoso com a lealdade” ao acordo.

Repercussão nas redes sociais

O julgamento provocou forte repercussão nas redes sociais, com as hashtags #BolsonaroFree e #BolsonaroPreso figurando entre os assuntos mais comentados, refletindo a polarização em torno do processo. Parlamentares de ambos os lados se manifestaram, amplificando as narrativas a favor e contra a condenação.

O julgamento do “núcleo 1” está previsto para ter oito sessões, divididas em cinco dias, estendendo-se até 12 de setembro. Os ministros Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin votarão após Moraes. A condenação dos réus, se ocorrer, não terá aplicação imediata das penas, que só começarão após o esgotamento de todos os recursos cabíveis.

Defesa de Cid contrapõe advogados dos réus e a própria Procuradoria

Como esperado, a defesa de Mauro Cid criticou as alegações dos demais réus de possível nulidade de sua delação, reafirmando sua validade. Os advogados negaram que Cid tenha sofrido pressão ou coação para delatar, ressaltando que o militar manteve suas declarações nos autos e a Moraes. Contudo, a defesa de Cid também levantou críticas à PGR, que sugeriu apenas a redução de um terço da pena como benefício, afastando a possibilidade de perdão judicial.

Para a defesa de Cid, a ausência de fatos concretos para sustentar a ação penal contra ele e a alegação de que ele não elaborou ou foi responsável por qualquer planejamento de golpe ou pelos atos de 8 de janeiro mostram a fragilidade da acusação em relação ao seu cliente.