Cascavel - Será que é a arte que imita a vida ou será o revés? Uma dúvida filosófica que acompanha a humanidade, visto que a arte pode ser considerada uma representação da vida, porém não é incomum ver obras artísticas ganharem vida fora de qualquer trama. O viés etarista, especialmente sobre as mulheres, em que a juventude e beleza são valorizadas em detrimento da experiência, não é apenas um enredo de um filme concorrente ao Oscar, como “A substância”, mas também a mensagem reforçada pela própria premiação.
Tal ponto evidencia uma questão social disfuncional atrelada ao gênero e à idade, de modo que ambos os fatores se complementam na intensidade da violação ou mitigação de direitos de alguns indivíduos, especialmente as minorias. Que, por sinal, ocorre sob uma fachada de validação social reproduzida por estruturas de poder, como aquela que propulsiona a relação conjugal pautada em papeis de gênero, por exemplo – como as esposas troféu (que alugam um padrão de vida com sua juventude, serviços de cuidado e beleza).
A lógica de dominação e marginalização, que cria ambientes disfuncionais, tenta mascarar seus impactos com migalhas de reconhecimento, como as flores ou bombons nos dias das mulheres ou com a aparente inclusão de categorias de premiação como a de filme estrangeiro que mantém o sistema inalterado, isento de ameaça à sua supremacia.
São dinâmicas absorvidas diariamente pelos menores, diante da sua incapacidade de analisar criticamente os padrões impostos. Na moda dos lanchinhos saudáveis, da prática de exercício físico pelos menores como substituto às telas, a preocupação com a saúde mental pode ficar em segundo plano – o corpo pode ser são, porém a autodepreciação e a limitação de valores convivem com as novas gerações, dado que a beleza e a juventude foram definidas como moedas de valor para aceitação e reconhecimento.
A partir da falsa concessão de espaço aos explorados, em que não há real abertura de poder, as diversas formas de exclusão social, dentre as quais o etarismo, se perpetuam nas relações sociais. A normalização das hierarquias e estereótipos permite a concentração do poder nas mãos daqueles que historicamente o detém.
Do ponto de vista jurídico, o etarismo não tem um tipo penal específico, mas viola princípios individuais fundamentais como a dignidade e a igualdade. É obrigação legal dos pais educar seus filhos para formação integral da personalidade, com a promoção de ambiente sadio, ético e cultural. Não se define quais valores devem ser transmitidos – porque invadiria o núcleo familiar e direitos individuais -, porém, exige-se o respeito à diversidade e a não discriminação, de modo que é imperioso o rompimento com os estereótipos que minam o indivíduo e a coletividade, desde o ambiente doméstico.
Isso porque repetir, especialmente nos lares, a mensagem da premiação com viés colonial é ensinar aos menores romantização do precário, da opressão feminina (como fez outrora a própria Disney), e não debater criticamente temas complexos, como o envelhecimento, a fim de superar os mecanismos opressivos.
Dra. Giovanna Back Franco
Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito