Na vigência da atual Constituição, em consonância com a construção teórico-normativa do Estado de Direito, existem limites à intervenção legislativa ordinária, enquanto “núcleos duros” do ordenamento: o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. Quanto à última, está relacionada à consolidação da decisão jurisdicional, na medida em que se encerra a possibilidade de recurso, havendo o que se convencionou denominar “trânsito em julgado da sentença”. Neste momento, a decisão final do processo, que verse sobre o conteúdo e não questão meramente processual, deve produzir todos os efeitos.
O Direito, portanto, obstrui a possibilidade de modificações à coisa julgada, na medida em que esta se encontra cristalizada. Contudo, nem todas as decisões de mérito alcançam tal façanha, de modo que existem decisões que não sofrem o processo de cristalização; não há, assim, nesses casos, o trânsito em julgado da sentença. Cabem, nesse sentido, revisões a qualquer momento, no intuito de perquirir o melhor deslinde à causa.
Essa relativização da coisa julgada pode decorrer de convencimento judicial, quando os tribunais, por decisão com amplo efeito, estende a todos os processos em condição similar. Foi o caso da relativização da coisa julgada quanto à investigação de filiação pelo critério biológico, com a popularização do exame de DNA. Dessa forma, casos encerrados que investigavam a paternidade, mas que se utilizaram de critérios com menor probabilidade de certeza, puderam ser reabertos a fim de ser realizado o exame de pareamento genético, com as mesmas consequências à negativa do exame: possibilidade de presunção de paternidade.
A relativização pode decorrer, ainda, de imposição legal e destaca-se, nesse caso, a não cristalização da decisão que versa sobre prestação alimentar. A legislação assevera que os alimentos não transitam em julgado, podendo ser revistos a qualquer tempo, quando houver modificação nos critérios que ensejaram sua fixação. Assim, a exoneração da prestação alimentar não se dá de forma automática. O devedor não pode parar de pagar quando entender que não é mais cabível; há necessidade de revisão judicial.
Os alimentos, por isso, não se encerram automaticamente com a maioridade do filho ou sua emancipação. É imprescindível a autorização judicial pela exoneração, visto que, neste caso, o filho terá possibilidade de comprovar a manutenção da necessidade, até os 24 anos, se estudar e não puder trabalhar para prover seu sustento.
A mesma lógica se aplica aos alimentos devidos entre ex-cônjuges/conviventes. Sabe-se que são temporários e que se extinguem com a recolocação do alimentado no mercado de trabalho, bem como com a constituição de novo casamento ou união estável. Contudo, a extinção não é automática e “simplesmente deixar de pagar” pode ensejar sanções ao devedor.
Tal condicionamento relaciona-se à efetividade da proteção da dignidade da pessoa humana em seu âmago, pois os alimentos vinculam-se à sobrevivência com dignidade. O magistrado, pois, atua em prol da mitigação da vulnerabilidade e na consolidação da perspectiva solidária nas relações familiares. Além disso, opera a balança de Themis para garantir a justiça no cotejo entre os fatores de fixação de alimentos: a necessidade de quem recebe e a possibilidade de quem presta os alimentos.
Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas