Opinião

Coluna Direito da Família: A dialética dos tribunais e a proteção do idoso

No desenvolvimento racional da teoria de Hegel, filósofo do século XIX, a formação do pensamento humano e, por consequência, da realidade está necessariamente atrelada à história. Em contraposição à teoria kantiana, sobre a universalidade do pensamento e da moral, Hegel ensina que a moral está atrelada ao contexto em que se desenvolve, em uma construção dialética, isto é, existe uma condição posta (tese), a contraposição à realidade vigente (antítese) e a alteração da realidade (síntese), de modo que a vida torna-se “cíclica”.

Assim, a norma e a moral de hoje pode não estar mais vigente amanhã, visto que os fatos sociais e, especialmente, a valoração sobre estes, modificam substancialmente o que está posto, quebrando normas, paradigmas e dogmas. No que diz respeito à formação familiar, essa formação cíclica da realidade é latente, especialmente a partir do século XX, tendo sido observado como período de profunda modificação da moralidade familiar.

Embora assumam papel contramajoritário, os tribunais, na proteção da dignidade da pessoa humana, de modo geral, são pioneiros no reconhecimento das “antíteses” da legislação engessada e abrem portas às modificações legais. Esse foi o caminho para o reconhecimento de direitos à companheira, aos casais homoafetivos, a todo tipo de família, na proteção do bem de família, entre tantos outros. Dessa forma, o que se costuma denominar de jurisprudência (decisão uniforme dos tribunais) é fundamental na interpretação e na integração do direito, suprindo lacunas legais e, principalmente, adequando a lei à realidade social, na transformação dialética.

Em discussão recente no Supremo Tribunal Federal, com repercussão na vida de milhares de pessoas, um julgado ganha maior atenção: o que trata sobre a eventual inconstitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens aos maiores de 70 anos. A lei impõe o regime de separação obrigatória de bens a estes, em vista da proteção do patrimônio a um possível “golpe do baú”.

A lei pressupõe a redução do discernimento do idoso e, para a sua proteção, garante que o cônjuge (ou o/a companheiro/a) não fará jus à meação. No entanto, é salutar entender que existe profunda diferença entre senilidade e senectude, de modo que a idade não é condicionante automático na perda das faculdades cognoscitivas. Ser idoso, não é ser velhaco, caduco, decrépito ou qualquer desses sinônimos que ofendem a dignidade da pessoa maior de 60 anos magnanimamente.

Aliás, a lei não pode interditar o idoso sem o devido processo legal de interdição e curatela. Avaliar a incapacidade de um indivíduo sob a ótica meramente cronológica é falha e desconsidera a autonomia privada que deve ser garantida ao ser humano. A própria Constituição Federal dispõe que não se fará qualquer discriminação apenas pela idade, de modo que impor um regime e supor a incapacidade do idoso é aviltante à sua dignidade.

Ainda não houve a conclusão do julgamento pelo STF, todavia, aguarda-se a correção dialética da disposição legal, cujo fundamento era tão somente guarnecer o patrimônio dos filhos ainda em vida, sendo que é proibida a disposição sobre herança de pessoa viva. As pessoas têm o direito de dispor de seus bens ainda em vida, como bem aprouver, desde que não inviabilize o sustento pessoal.

Dra. Giovanna Back Franco – Professora universitária, advogada e mestre em Ciências Jurídicas