OPINIÃO

Coluna Direito da Família: A cor da voz como sinestesia da liberdade

Cascavel - Se fosse possível definir as coisas por cor, o tom da violência seria vermelho no imediato e púrpura em longo prazo. Mas, as marcas roxas no corpo, que desvanecem, também impactam na alma e por lá permanecem em tons vívidos por longo tempo. Na obra de “Alice Walker”, o tom obtido entre o vermelho e o azul, muitas vezes utilizado por autoridades estatais e religiosas, estaria relacionado à capacidade de perceber a beleza da autodescoberta e da resistência, com ênfase à feminilidade.

Não uma feminilidade a partir do que tem se chamado de “energia feminina”, mas em relação às representantes da corporificação: as mulheres. Aquelas cujos direitos foram limitados a migalhas até poucas décadas, porque nem eram vistas como seres humanos, mas meros corpos a serviço da reprodução sexual e social. No degradê da paleta da resistência feminina, o púrpura se identifica com a descoberta feminina da própria dignidade e da capacidade de resiliência em meio à opressão, enquanto o lilás tornou-se símbolo da luta feminista.

Em 2025 veio a ser regulamentada, através de Nota Técnica, a lei 14.187/2024 – altera a Lei Orgânica da Saúde para implementar um espaço específico no âmbito do SUS e seus conveniados – para acolhimento e atendimento de vítimas de violência doméstica, em especial mulheres e crianças, conhecida como “Sala Lilás”. Segundo os idealizadores do projeto, não se restringe ao espaço físico, de modo que depende de postura profissional diferenciada da equipe de atendimento.

Devem ser áreas em que haja privacidade (com sinalização discreta, por exemplo) e restrição de acesso a fim de garantir a segurança e a integridade das vítimas de violência que dependem de atendimento médico, dada violência física ou sexual. A escuta deve ser despida de julgamentos a fim de que não haja revitimização, mas também deve ser capaz de respeitar as questões interseccionais, inclusive para abarcar a população LGBTQIA+.

Essa iniciativa é um complemento crucial à lei Maria da Penha e à Lei do Minuto Seguinte (que prevê o atendimento obrigatório e imediato de vítimas de violência sexual sem a necessidade de Boletim de Ocorrência – a palavra da vítima basta), especialmente na realidade nacional em relação aos índices de violência contra a mulher, mas também de crianças e adolescentes.

Assim, o espaço lilás também deve ter estrutura adequada para o acolhimento e atendimento infanto-juvenil, compatível inclusive com suas necessidades psicológicas e cognitivas. A palavra dos pequenos também é prova, resistência e sobrevivência, porque a voz se ergue quando o silêncio se torna insuportável.

Quando do atendimento dessas vítimas por qualquer órgão público, há, em geral, a preferência da oitiva por mulheres, em razão da empatia e da mitigação do julgamento – o que nem sempre ocorre. O patriarcado manipula políticas de diversidade através da valoração do outro diferente do “eu” (enquanto sujeito pleno) a fim de garantir a transcendência do indivíduo a partir da submissão e declínio do outro, desrespeitando sua humanidade. O socorro começa na escuta, com empatia e prontidão, não como favor, mas como dever profissional e humano. Até porque a omissão também é uma forma de ferir.

Os tons ora tratados representam a coragem de romper silêncios, reivindicar direitos e encontrar beleza e força em si mesmas. Eles lembram que a liberdade das mulheres passa pela escuta de suas vozes, pela valorização de suas histórias e pelo reconhecimento de sua dignidade.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito