Opinião

Afetos, dívidas e promessas

Os holofotes dos noticiários destacaram com voracidade os casos de pensões em valores milionários para os filhos de celebridades, deixando implícita a dúvida sobre a justiça quanto a esses valores, porque supostamente nenhuma criança precisaria de milhares de reais para viver. Contudo, o tema ganha essa proporção por simplificar a obrigação alimentar a simples gastos de manutenção – que sequer são cobertos na grande maioria dos casos, dados os valores irrisórios e que, curiosamente, não causam o mesmo alvoroço social.

A obrigação alimentar não diz respeito apenas a necessidade do menor, mas também à possibilidade de quem paga, sendo que ganhos maiores possibilitam valores proporcionalmente maiores. Soma-se a isso a ideia de manutenção do padrão de vida do menor, conforme vivenciado na convivência com ambos os genitores. Compreende-se como justo que o filho possa desfrutar do mesmo padrão de vida do genitor, para dar continuidade material e simbólica da vida familiar.

Isso porque a fixação de pensão alimentícia é uma expressão de justiça intergeracional, enquanto dever jurídico para o desenvolvimento pleno do menor, mas também tem um caráter compensatório indireto, especialmente nos casos de desigual distribuição do dever de cuidado. Não raro a pensão pode ser a única forma de “participação paterna”, ocasião em que é necessária a correção do desequilíbrio social e simbólico.

Quando esse recorte considera uma compensação indevida à mãe, não se pode perder de vista a leitura moralizante da maternidade em que o direito à dignidade do filho esteja atrelada à conduta modesta da mãe. Talvez, o foco da espetacularização dos valores esteja em desviar do debate social mais amplo sobre valores ínfimos que em alguns casos ainda são negados pelos genitores. Nesse caso, o Poder Público é chamado a traduzir a afetividade em planilhas e a desenhar mecanismos capazes de burlar a inadimplência para garantir o mínimo de dignidade à criança.

Diante do fracasso das políticas de cuidado, resta a mobilização dos aparatos burocráticos e (quando possível) tecnológicos para intermediar o descaso paternal. Na tentativa de atualização, o Poder Judiciário já pode se utilizar de instrumentos como o pix através do bloqueio promovido em tempo real via Banco Central para pensões atrasadas, via penhora de valores – mais efetiva que a constrição de bens ou valores, sendo esse um entendimento novo dos tribunais.

Nesse viés, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para instituir o “pix pensão” para vincular a obrigação alimentícia diretamente ao fluxo bancário do devedor, automatizando o pagamento. Semelhante à obra cinematográfica “Minority Report”, o “pix pensão” seria uma antecipação e modulação da ação do Estado dada a previsão do inadimplemento. Ainda que seja uma iniciativa louvável, nesse caso, não substitui a ausência paterna, apenas a rastreia e fetichiza a tecnologia como solução mágica. A parentalidade não pode se reduzir à mera transferência de valores, esvaziando qualquer debate sobre o cuidado compartilhado, ou seja, sem realizar uma efetiva mudança estrutural.

Quando o Estado precisa intermediar a questão mais básica de cuidado, como a manutenção material de um filho (sem adentrar na questão afetiva e de tempo de qualidade), há um abismo sobre a cultura da paternidade. Ao invés de escalarem montanhas para descobrir a masculinidade, alguns deveriam voltar-se às questões basilares das relações humanas, em especial as relações paterno-filiais.

Dra. Giovanna Back Franco

Professora universitária, advogada e doutoranda em Direito