Esportes

Meninos refugiados do Congo vibram com compatriota nos Jogos Olímpicos

Foram só duas sutis trocas de olhares, antes do início das lutas. As sobrancelhas levantadas pareciam querer dizer algo que, num português brasileiro, poderia significar uma espécie de ?tamo junto?. Na arquibancada da Arena Carioca 2, colado na grade mais próxima da entrada dos atletas, estava Josaphat, de 16 anos, acompanhado do irmão, Aravina, de 10. No túnel que dava acesso aos tatames, estava o judoca Popole Misenga. Eles sequer se falaram, sequer se conhecem. Mas têm muito em comum: são refugiados da República Democrática do Congo, que adotaram o Brasil para escapar dos intermináveis conflitos no país africano. Popole só ganhou uma luta ? foi ovacionado pelo público, por sinal ?, mas é certo que o dia não foi de derrota para o lutador e seus dois torcedores compatriotas.

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Conheci Josaphat há pouco mais de um ano, fazendo uma reportagem para O GLOBO a respeito de crianças e jovens refugiados que frequentavam a rede pública de ensino no Estado do Rio. Desde então, ficou a ideia na cabeça de que eu tinha que levar o menino para ver alguma competição nos Jogos do Rio. O tempo passou, perdemos um pouco de contato, até que, anteontem, tive um estalo e me toquei: vou chamá-lo para vermos Popole lutar.

? Posso levar meu irmão? ? perguntou Josaphat, que mora com o caçula e a mãe em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Ok, tudo certo. Consegui comprar os três ingressos para as preliminares de ontem do judô. Num longo caminho de ida, conversamos sobre a vida no Brasil. As respostas de Josaphat, em geral, eram tímidas, curtas. Quer estudar para um dia conseguir ajudar a mãe, mas a escola está há três meses em greve; trabalhou um período numa padaria, mas a ?crise provocou sua demissão?…

? Cara, olha a Estátua da Liberdade do Brasil! ? disse ele num dos momentos mais soltos, em frente ao Shopping New York City Center, na Barra da Tijuca. Conheça a Delegação de Refugiados da Rio 2016

As duas lutas de Popole mudaram o menino tímido. Se no tatame havia um refugiado do Congo mostrando que, do meio de uma tragédia que já deixou centenas de milhares de mortos, emergiu um atleta talentoso, na arquibancada revelou-se o torcedor. Perguntei a Josaphat o que significavam aqueles gritos em francês quase sem parar durante a luta.

? Estou falando ?bate nele!?, ?bate nele!?.

Fiquei com a impressão que a tradução literal seria mais para algo do tipo ?enche ele de porrada!?. Mas o fato é que, apesar de começar bem, no minuto final da segunda luta, Popole sofreu um ippon do sul-coreano Donghan Gwak, atual campeão mundial.

? Devia ser proibido de os asiáticos competirem no judô, nas lutas. Eles são muito bons ? resumiu Josaphat, que espera em 2020, ano dos Jogos no Japão, já ser chamado de brasileiro.

Antes de dormir, na volta, Aravina, o caçula, disse, batendo no peito como os técnicos faziam com os atletas antes da entrada, que quer ser judoca:

? Tomara que me aceitem (em alguma escolinha).

Tomara.