A condição de artilheiro dos mais implacáveis da história, a voracidade com que quebra recordes, a competitividade e a excelência técnica que resulta da junção de talento nato e trabalho obsessivo fazem com que não haja impropriedades na entrega de um prêmio, de qualquer natureza, a Cristiano Ronaldo. Máquina de gols, seu corpo esculpido e a execução precisa de cada movimento refletem a repetição, o trabalho, o esforço e a ambição. É justo ser aclamado, ter seu lugar na história.
Ocorre que a certeza reinante de que será premiado pela Fifa nesta segunda-feira, na cerimônia que começa às 15h30m (de Brasília), em Zurique, como melhor jogador de 2016, é reveladora. Trata-se a questão como assunto encerrado, de tão óbvia que se acredita ter sido a superioridade de Cristiano Ronaldo sobre Messi, seu rival direto. Griezmann, então, é apenas o outro finalista, encarado como se de mero coadjuvante se tratasse.
Tal consenso exibe a falta de distinção entre o que é individual e o que é coletivo no futebol. Se há algo que nitidamente separou Ronaldo e Messi entre 20 de novembro de 2015 e 22 de novembro de 2016, prazo delimitado pela Fifa para a avaliação das atuações dos candidatos, foram as conquistas. As do português, mais importantes. Acontece que títulos são coletivos, prêmios são individuais. Há uma espécie de piloto automático que induz a entregar o troféu ao jogador mais importante e emblemático dos times que ergueram os principais troféus do ano: Portugal venceu a Eurocopa e o Real Madrid, a Liga dos Campeões.
Fifa, eleição de melhor do mundo e gol mais bonito
Cristiano Ronaldo foi fundamental como sempre hão de ser jogadores de seu porte em equipes campeãs. Mas foi membro de times que se mostraram, coletivamente, mais sólidos do que o Barcelona e, principalmente, a Argentina que Messi teve ao redor. Cristiano foi brilhante nas quartas de final da Liga contra o Wolfsburg, fazendo os três gols que levaram o Real Madrid à semifinal. E fora, dez dias antes, o artífice da virada sobre o Barcelona, na casa do rival, permitindo que um criticado Real Madrid virasse do avesso a temporada.
Mas já estávamos em abril, quinto mês do período de avaliação do prêmio da Fifa, e Ronaldo era tão cobrado quanto o time. Embora artilheiro da Liga dos Campeões, foi bem discreto nas semifinais e na final. Na Eurocopa, teve duas atuações tão boas quanto cruciais: contra a Hungria, na fase de grupos, e na semifinal, contra Gales. Na decisão, saiu machucado. No mais, fez jogos apagados como o seu time, mais competitivo do que brilhante. O coletivo o ajudou.

AS FACETAS DO JOGO
Messi foi vital para o Barcelona campeão espanhol, da Copa do Rei e da Supercopa. Teve menor incidência quando o time perdeu rendimento numa Liga dos Campeões em que enfrentou rivais mais duros do que o Real Madrid. Seu ponto baixo foi o pênalti perdido na final da Copa América, esta uma ação que se pode considerar individual, ainda que numa Argentina caótica. Viveu seus piores momentos entre abril e junho. Nos outros nove meses, salpicou o calendário de atuações encantadoras, contra times como Roma, Arsenal e Manchester City. Um recorte do período entre agosto e novembro, na retomada da temporada europeia, apresenta um Messi mais claramente superior. E com outra característica: ser decisivo apesar do Barcelona que o cerca, um time que perde força coletiva, encomenda seu destino ao trio ofensivo.

Cristiano Ronaldo pode ganhar o troféu, mas Messi também poderia. E seria merecido. Convencionou-se usar os títulos como pilares da avaliação. E estes raramente são obra de um homem só.

Os prêmios de melhor jogador do mundo viraram, também, disputas restritas a atacantes. O que favorece a mera análise estatística e negligencia jogadores que operam em outras fases do jogo, por vezes criando as condições para o brilho dos grandes artilheiros. Dos 23 finalistas concorrentes, lista de onde saíram os três indicados, 12 eram atacantes. No prêmio Bola de Ouro, os oito primeiros colocados jogavam na frente. Iniesta nunca foi eleito o melhor do mundo. Na última Bola de Ouro, Kroos e Modric dividiram o 17º lugar.
Nesta segunda o futebol brasileiro será representado por Marta, finalista na premiação feminina: tentará seu sexto troféu contra a americana Carli Lloyd e a alemã Behringer. Marlone, do Corinthians, também está na disputa. Ele concorre ao prêmio Puskas de gol mais bonito de 2016.