
Cascavel e Paraná - A inadimplência no setor do agronegócio brasileiro voltou a crescer no segundo trimestre de 2025, alcançando o maior índice desde o início da série histórica da Serasa Experian, em 2022. Segundo dados divulgados pela instituição, 8,1% da população rural têm dívidas em atraso há mais de 180 dias, um avanço que preocupa tanto analistas quanto o próprio setor produtivo.
O resultado representa uma alta de 0,3 ponto porcentual em relação ao primeiro trimestre do ano, quando o indicador era de 7,8%, e de 1,1 ponto na comparação com o mesmo período de 2024, quando o índice estava em 7%. A trajetória mostra um aumento constante — ainda que gradual — na dificuldade de produtores rurais manterem suas contas em dia, refletindo problemas acumulados de crédito e de fluxo de caixa nos últimos anos.
O levantamento considera dívidas de no mínimo R$ 1 mil, vencidas há mais de 180 dias e até cinco anos, ligadas a atividades agropecuárias e financiamentos rurais. Não entram no cálculo propriedades classificadas como “Assentamentos” ou “Povos e Comunidades Tradicionais”, por envolverem aspectos coletivos e socioambientais específicos.
A Serasa Experian também segmentou o levantamento por perfil de produtor. Os maiores índices de inadimplência estão entre aqueles sem registro de cadastro rural — arrendatários ou integrantes de grupos familiares e econômicos —, que somam 10,5% do total. Em seguida, vêm os grandes proprietários, com 9,2%; os médios, com 7,8%; e os pequenos, com 7,6%. A diferença revela um padrão de endividamento disseminado por todos os portes, mas com intensidade maior entre os que operam fora das estruturas formais de crédito e garantia.

Causas estruturais e conjunturais
A combinação de fatores macroeconômicos e setoriais explica boa parte dessa escalada. O custo de produção continua pressionado, especialmente por defensivos e fertilizantes que dependem de importações e são fortemente impactados por oscilações cambiais e tensões geopolíticas. Ao mesmo tempo, a estabilidade — e em alguns casos, queda — nos preços de commodities agrícolas tem reduzido margens de lucro, sobretudo entre os pequenos e médios produtores. “Realmente, a questão da inadimplência no setor do agronegócio, abrangendo pequenas e grandes propriedades, é preocupante porque está bem acima da média histórica, que costuma ser inferior a 5%”, analisa o economista Vander Piaia, em entrevista concedida à equipe de reportagem do Jornal O Paraná.
“O interessante é que nós temos boas perspectivas de safra de milho e de colheita de soja, mas mesmo assim a inadimplência está crescendo. Isso indica que o problema está em outras frentes, como a estabilidade de preços e problemas climáticos localizados, principalmente entre os pequenos produtores.”
Esses elementos combinados acabam criando uma pressão de liquidez sobre o setor. “Isto faz com que a inadimplência se reflita nas dívidas bancárias, e os bancos, naturalmente, reagem com mais restrições de crédito, alertando que o setor está muito devedor”, observa Piaia.
Soja, câmbio e defensivos: ‘Triângulo’ de desequilíbrios
Entre os principais impactos diretos sobre a rentabilidade rural, a queda no preço da soja é um dos mais significativos. Apesar do aumento na produtividade e do bom desempenho da colheita, o retorno financeiro vem diminuindo. “O preço da soja, por exemplo, tem caído, e isso afeta diretamente a lucratividade, especialmente dos pequenos produtores”, explica o economista. “Temos uma colheita maior, mas o valor recebido por saca é menor. No fim das contas, o que importa para o produtor é o que sobra, e não apenas o quanto se colhe.”
Outro ponto crítico é o custo dos defensivos agrícolas, muitos deles importados de países envolvidos em conflitos. Essa instabilidade tem causado variações bruscas de preços, dificultando o planejamento orçamentário nas propriedades rurais. “Parte dos nossos defensivos vem de regiões que estão em guerra, e essa instabilidade de preços ocasiona uma dificuldade maior de administrar os custos de uma propriedade rural”, comenta Piaia.
A taxa de câmbio, por sua vez, segue sendo um fator sensível. “O dólar até deu um refluxo nos últimos dias, mas vinha subindo bastante nos meses anteriores, e isso afeta diretamente os custos de produção”, afirma o economista. “Acredito que essa situação seja passageira e que, no médio prazo, possamos ver uma estabilização, tanto no câmbio quanto nos preços dos defensivos e das commodities, especialmente da soja.”
Agro sólido
Mesmo com a piora dos indicadores, há consenso entre analistas de que o agronegócio continua sendo um dos setores mais sólidos da economia nacional. As boas perspectivas de safra de milho e soja e a retomada de exportações podem aliviar parte da pressão sobre o caixa do produtor nos próximos meses.
Contudo, o desafio de fundo permanece: equilibrar produção, custos e crédito em um cenário global de incertezas. A inadimplência recorde é um sinal de alerta — não apenas para o produtor rural, mas para todo o sistema que o cerca, do financiamento à comercialização.