REFUGIADOS

Venezuelanos não deixam Cascavel, mesmo se Maduro perder a eleição

Venezuelanos não deixam Cascavel, mesmo se Maduro perder a eleição

A Venezuela está a mais de 3,7 mil quilômetros de distância de Cascavel e este é um final de semana de muitas expectativas para as eleições presidenciais. No pleito venezuelano, o presidente Nicolás Maduro concorre à reeleição – que novamente está cercada de denúncias de cerceamento de liberdade da população e ameaças aos adversários. As pesquisas apontam que Maduro não tem mais a liderança das intenções de votos e até a diplomacia com o Brasil ficou estremecida depois que o autoproclamado socialista questionou publicamente a segurança do sistema eleitoral brasileiro, afirmando que aqui as urnas não podem ser auditadas.

Lá cerca de 21 milhões de venezuelanos elegem o próximo presidente neste domingo (28), que vai governar o país sul-americano entre 2025 e 2031.

A crise

A Venezuela enfrenta um bloqueio financeiro e comercial pelo menos desde 2017, quando potências como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e a União Europeia passaram a não reconhecer a legitimidade do governo Maduro. O país vizinho também passou por grave crise econômica no período, com hiperinflação e perda de cerca de 75% do PIB, o que resultou na imigração de mais de 7 milhões de pessoas.

Desde meados de 2021, o país vem mostrando alguma recuperação econômica. A hiperinflação foi controlada e a economia voltou a crescer em 2022 e 2023, porém, os salários continuam baixos e os serviços públicos deteriorados. Desde 2022, o embargo econômico vem sendo parcialmente flexibilizado e um acordo entre oposição e governo foi firmado para as eleições deste ano.

Oportunidade

Com a fronteira com o Brasil já lotada de venezuelanos em busca de refúgio, começou então um processo de interiorização e um “pontinho” no Oeste do Paraná começou a despertar o interesse também dos venezuelanos: Cascavel! Entre os itens, estavam oportunidades de emprego e segurança pública com números bem mais interessantes do que os encontrados nos grandes centros urbanos.

A agência do trabalhador de Cascavel vem registrando, em média, 1,2 mil vagas de empregos, com grande demanda de frigoríficos. Só na Coopavel, uma das maiores empregadoras da cidade, atualmente 890 venezuelanos fazem parte do quadro de funcionários.

Refugiados

Em 2023, o Brasil superou o Equador e se tornou o terceiro país da América Latina em número de refugiados e imigrantes venezuelanos, depois de Colômbia e Peru. Em janeiro de 2024, já viviam quase 550 mil no país, entre os mais de 7,7 milhões no mundo.

A onda imigratória de uma geração de jovens venezuelanos para o Brasil é apenas uma amostra de como o País tem recebido cada vez mais gente atrás de nova vida. Nos últimos cinco anos, o Brasil registrou mais de 200 mil solicitações de reconhecimento de condição de refugiado e deferiu pouco mais da metade dos pedidos – cerca de 117 mil – segundo dados do Ministério da Justiça.

Um doce de cidade

“Claro que não!” – foi a pronta resposta de Roberth Gutierrez quando perguntado pela reportagem do O Paraná se tem planos de voltar para a Venezuela. Ele chegou  a Cascavel em fevereiro de 2021 sem falar uma palavra em português. Com experiência em gastronomia, o jovem venezuelano logo conseguiu trabalho em um bar e depois em uma confeitaria, onde diz ter se apaixonado pela produção de bolos e doces, agregando experiência e melhorando o idioma dia após dia.

Com o apoio dele, outras quatro pessoas da família já vieram embora para Cascavel, além de amigos e familiares dos amigos. Gutierrez não acredita que Nicolás Maduro deixe o poder depois destas eleições, o que não muda sua decisão de continuar em Cascavel. “A cidade me deu muitas coisas boas e abriu muitas oportunidades”, afirma. Hoje ele empreende vendendo comida venezuelana e tem nos conterrâneos seus mais fieis clientes, que buscam matar as saudades da gastronomia nativa.

Assim como outros venezuelanos que aqui chegam, Roberth acha que os preços dos alimentos é muito acessível se comparado aos valores absurdos praticados por lá. Além disso, ele se adaptou ao clima, gosta muito da receptividade dos cascavelenses e não esconde a importância que a segurança pública tem em sua vida, depois de passar por um sequestro.

Buscar por documentos em alta

Ao chegar à cidade que escolheram para fixar nova residência, os venezuelanos procuram a Polícia Federal para fazer a regularização da situação migratória – lembrando que não é necessário visto para que ingressem no Brasil. Com o documento é possível acessar serviços públicos como saúde e educação.

Sobre o aumento na procura pelo atendimento, Marco Albuquerque, chefe do setor de imigração da Delegacia da Polícia Federal de Cascavel, afirma que “A procura pela regularização de estrangeiros nunca diminuiu e nem estabilizou, sempre aumentou”.

Entre os motivos, Albuquerque corrobora com o fato de a cidade ter muitas oportunidades como um diferencial. “Tem muita oferta de trabalho não só em Cascavel, como em várias cidades da região. Há uma demanda grande de um serviço que o brasileiro não quer fazer, mas que acaba se tornando uma opção para quem acaba de chegar e não recebe nenhum tipo de benefício público”.

O chefe do serviço afirma que em média, são registrados 600 estrangeiros por mês na Delegacia da Polícia Federal de Cascavel. Em junho, foram 1000 pessoas. “Em outubro do ano passado atingimos o limite contratado junto à empresa responsável pela emissão dos documentos para os estrangeiros, então até que houve o trâmite de novo contrato, ocorreu um acúmulo na demanda de entregas”, aponta.

Eleição na Venezuela altera equilíbrio geopolítico global

O fato de a Venezuela ser um país petroleiro – dona das maiores reservas comprovadas do mundo – e de o atual governo manter relações tensas com potências ocidentais e ter proximidade com China, Rússia e Irã faz com que a eleição no país caribenho, neste domingo (28) tenha amplas implicações geopolíticas, segundo avaliação de especialistas.

O professor de relações internacionais do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Alexandre Pires ressaltou que, se Nicolás Maduro permanecer no poder, o bloco de países formado por China, Rússia e Irã continuaria com um importante parceiro no continente sul-americano. Por outro lado, se vence a oposição, a tendência é de o país retomar um alinhamento político com os EUA. 

“É claro que o contato e as parcerias provavelmente seriam mantidos, especialmente no nível econômico, mas a Venezuela entraria em uma situação de maior normalidade, talvez conseguindo restabelecer laços com os Estados Unidos, país do qual inevitavelmente eles são muito dependentes, especialmente para tentar escoar o petróleo e também com a Espanha e com a Europa Ocidental”, afirmou.

Pires lembrou ainda que a vitória da oposição poderia elevar os investimentos no setor petroleiro, ajudando a recuperar a principal indústria do país. “A Venezuela conseguiria também colocar mais petróleo no mercado. Obviamente, isso influenciaria o preço da mercadoria. Ou seja, colocaria a Venezuela em rota de colisão com os parceiros da Opep. Não saberíamos o quanto ela manteria essa relação com a Opep ou se inclinaria a receber mais investimentos para tentar aumentar sua capacidade produtiva”, completou.

Instabilidade

O professor de relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Nildo Ouriques diz que todo acontecimento na América Latina tem imensas implicações, mas ressalta que o caso venezuelano talvez seja mais importante pela questão do petróleo.

“Se não tivesse petróleo na Venezuela, os Estados Unidos estariam igualmente preocupados, mas não colocariam como uma prioridade da sua política externa. Então, o petróleo é fundamental”, afirmou.

O professor acrescentou que os chavistas têm capacidade de mobilização e poderão colocar pressão caso a oposição vença. “A Venezuela não terá nenhuma estabilidade, nem os regimes que são totalmente apoiados pelos Estados Unidos têm estabilidade, vide o caso do Haiti. Se ganhar a oposição, os bolivarianos [militantes chavistas] têm capacidade de mobilização e de esquentar a chapa contra o governo. E, se ganhar o Maduro novamente, a luta contra ele, apoiada pela embaixada (dos EUA), com apoio dos meios de comunicação, vai continuar”, completou.

Petróleo

A crise econômica e o bloqueio petroleiro dos últimos anos deterioraram a infraestrutura da indústria petroleira venezuelana. De uma produção média de 2,3 milhões de barris por dia (bpd) em 2015, o país produziu em junho de 2024 apenas 851 mil bpd, segundo dados da Opep. Ou seja, a produção é hoje 35% do que era em 2015.

A Opep é a Organização dos Países Exportadores de Petróleo, cartel formado por países como Arábia Saudita, Irã, Iraque e Kuwait, entre outros, e que costuma combinar cotas de produção para influenciar os preços internacionais do produto.