Cotidiano

Sem acordo: MST considera proposta irônica e sarcástica

Líderes temem que recusa possa levar a conflito, inclusive com saldo trágico

Quedas do Iguaçu – A direção do MST e a Coordenação dos Acampamentos Herdeiros da Terra e Dom Tomás Balduíno recusaram, em documento, proposta de acordo com a Araupel.

A trégua foi buscada na semana passada em reunião com as partes envolvidas no conflito em torno das áreas da Araupel em Quedas do Iguaçu e em Rio Bonito do Iguaçu. A recusa somada ao teor da carta deixa o clima, que já estava pesado, ainda mais delicado principalmente em Quedas, onde a empresa conta há bom tempo com mandados de reintegração.

Na resposta, o MST e a Coordenação classificam a proposta, que se refere à disponibilização de uma área de 190 hectares para abrigar famílias invasoras, de irônica e sarcástica. Segue trecho do início do documento:

“Primeiramente, por mais absurdo que pareça, confinamento é o nome usado pela empresa. Isso não surpreende vindo de uma categoria que sempre viu e tratou os trabalhadores como animais, portanto a proposta é irônica, sarcástica, e seria uma piada se não fosse tão ofensiva para as famílias acampadas”.

E segue:

“Ao tomar conhecimento da proposta, o MST surpreendeu-se pelo fato de a Ouvidoria Agrária ter levado tal proposta com aparente simpatia, e diante disto, em respeito às instituições públicas envolvidas, apresenta a presente resposta – leia trechos da carta ao lado”.

Diante da reprovação do acordo, líderes que acompanham o impasse temem pelo pior. O consenso é: ou o estado faz uma operação de desocupação e reintegração de posse, cumprindo as determinações judiciais, ou os trabalhadores vão expulsar os invasores. Quem acompanha o caso vê agravado o risco de conflito e até de uma tragédia.

Argumentos do MST

Segue a íntegra de alguns dos argumentos que o MST e a Coordenação apresentaram para rejeitar a proposta:

3. Na segunda metade da década de 90, após ocupação do imóvel Pinhal Ralo, foram criados os PA Marcos Freire e Ireno Alves, assentando mais de 1500 famílias. Em 2004, com medida liminarmente o Incra criou o PA Celso Furtado, com mais de mil famílias assentadas. A soma do remanescente de terra oriunda desses títulos nulos passa de 50 mil hectares, e desses, a União Federal e o Incra estão tomando as medidas para reincorporar ao Patrimônio da União para fins de Reforma Agrária;

4. Os imóveis Pinhal Ralo e Rio das Cobras estão ocupados pelos acampamentos Herdeiros da Terra e Dom Tomás Balduíno, respectivamente, que juntos, possuem aproximadamente três mil famílias, perto de 10 mil pessoas, ambos com escolas em funcionamento, e infraestrutura básica. A estação de plantio está vigente, e este está sendo o próximo avanço, já iniciado, para a produção de alimentos saudáveis com a finalidade inicial de subsistência;

5. A empresa Araupel S/A, antiga Giacomet-Marodin, sempre teve um histórico de violência na região cujos relatos se repetem em diálogos com moradores antigos da região, inclusive é responsável direta pelo assassinato de dois trabalhadores sem-terra em 1997 e seus pistoleiros foram absolvidos por questões técnicas, e atualmente tal violência modernizada se propaga nos meios de comunicação impresso e digital numa criminosa campanha de difamação e ódio contra os sem-terras. Porém, mesmo assim as famílias acampadas não colocam obstáculos para o funcionamento da empresa, incentivando a retirada das madeiras, deixando os acessos livres, e buscando saídas junto ao poder público, e nem por isso a empresa deixa de expressar suas mentiras despudoradamente na proposta de acordo;

6.

a) O MST, materializado nas famílias acampadas, desconsidera de forma indignada o conteúdo da fantasiosa proposta feita pela empresa, e responde apenas por respeito aos entes públicos envolvidos.

Comunidade de Quedas se diz abandonada pelas autoridades

Há 20 anos a Araupel é alvo das invasões do MST. Elas são cinco e 52 mil dos 81 mil hectares que pertenciam à empresa já foram destinados à reforma agrária. Moradores de Quedas do Iguaçu assistem desde julho de 2014 um cenário desmotivador. O clima de medo provocado pelos sem-terra desvalorizou os imóveis em 50%, cancelou toda forma de investimento público e privado e já provocou centenas de demissões.

Para pressionar as autoridades, o MST faz ameaças (membros do movimento estariam por trás de atentado à casa de jornalista) e bloqueou acessos a áreas de corte da empresa, que sem matéria-prima há dois meses poderá demitir parte de seus mais de mil colaboradores. A Justiça já expediu mandados de reintegração, até agora não cumpridos pelo Estado. Funcionários dos mais diversos setores fizeram inúmeros protestos para preservar empregos e a economia do município.

A Araupel, por sua vez, acusa o MST de inúmeros crimes. Entre eles estão a captura e a morte de animais silvestres, a derrubada de árvores protegidas em áreas de preservação (até de araucárias), a queima de 600 milhões de metros quadrados de mata em locais de reserva, a depredação de estruturas físicas e o furto de máquinas e equipamentos. Recentemente, a Polícia Federal cumpriu mandados de reintegração de 19 lotes em assentamentos sem-terra em áreas que pertenciam à Araupel. Além de um esquema de corte ilegal e venda de madeira, a empresa afirma que grande parte dos lotes dos assentamentos já foi comercializada, contrariando princípios da reforma agrária.