Cotidiano

Sandra Kogut filma vidas em obras em ?Campo Grande?

INFOCHPDPICT000058897451RIO ? Depois de estrear em longas-metragens de ficção com ?Mutum? (2007), um dos mais premiados filmes brasileiros dos anos 2000, a cineasta Sandra Kogut lança hoje sua segunda incursão na área, ?Campo Grande?. Como na anterior, uma versão para a novela ?Manuelzão e Miguilim?, de Guimarães Rosa, há um olhar sensível e humanizado para a história vivida por uma criança. Não que Sandra tenha decidido fazer isso. Mas foi levada a esse caminho pela própria dinâmica de cinema.

? Existe algo nesse lugar do mundo em que se está quando se é criança. Uma percepção que não é verbal, é sensorial. Você sente muito, percebe, intui, lida com emoções, e tudo isso é muito cinematográfico ? diz ela.

Foi ainda quando realizava ?Mutum? que ?Campo Grande? começou a se delinear. Sandra dirigia uma cena em que a mãe dá o filho a um desconhecido, acreditando que a criança teria a chance de uma vida melhor.

? É uma das cenas mais emocionantes do ?Mutum?, e quando filmava vi que era muito complexo entender isso por dentro ? conta a cineasta, que começou a ir a abrigos para pesquisar histórias de abandono. ? Queria entender o que acontece com essas crianças depois que são deixadas pela mãe. A gente sempre fala de amor incondicional de pais pelos filhos, e vi ali o amor incondicional dos filhos pelos pais. As crianças com quem conversei sempre tinham uma justificativa para o abandono, defendiam a mãe, diziam que ela iria voltar.

DIFERENTES, PORÉM IGUAIS

CAMPO GRANDE

Em ?Campo Grande?, os irmãos Ygor (Ygor Manoel) e Rayane (Rayane do Amaral ) são deixados em Ipanema pela mãe, com o endereço de uma mulher de classe média alta e a promessa de que voltaria para pegá-los. Regina (Carla Ribas) também passa por uma situação de mudança, reconstruindo sua vida e sua relação com a filha Lila (Julia Bernat) depois de uma separação. O cenário é de uma cidade em transformação, com tapumes, operários e guindastes.

? Ao mesmo tempo em que essas cenas de transformação da cidade são muito concretas, bem documentais, são também uma paisagem mental, como se fossem o que eles estão sentindo. A vida de todos eles também está em obras ? observa Sandra.

Se, no início, tudo separa Regina de Ygor (o irmão que a conduz na busca pela mãe dele) ? ela é mulher, ele menino; ela é burguesa, ele, pobre ? no decorrer da trama, como diz Sandra, ?eles vão percebendo que estão numa mesma situação, são iguais?. E todos serão afetados por esse encontro ao longo do filme, que aponta para um final feliz.

Quando estava escrevendo o roteiro (em parceria com Felipe Scholl), o local de moradia dos irmãos poderia, diz Sandra, ?ser qualquer peeriferia?. Acabou escolhendo Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, porque se sentia atraída pelo nome:

? Achava lindo, evocador, terreno vasto de todos os possíveis, o bom e o ruim ? diz ela. ? Aí fui a Campo Grande e percebi que ali se materializava muito essa mudança do Brasil, com construções aceleradas. Isso era tão profundo na história que acabei escrevendo dali para a frente com aquele lugar em mente. É simbólico: para as crianças, o Campo Grande delas é Ipanema, o desconhecido. Da mesma forma que para Regina, o desconhecido, o que dá medo, é o Campo Grande para onde ela vai levada por Ygor.